Gazeta do Povo: Entrevista com o novo Procurador-Geral do MPC

Fiscalização

MP de Contas quer maior autonomia financeira

Publicado em 12/05/2014 |

Gazeta do Povo – Vida Pública

A estrutura de fiscalização das contas públicas é feita pelo Tribunal de Contas e todos os processos que passam por lá tramitam também no Ministério Público de Contas, órgão que está integrado ao tribunal e que tem papel de interventor. As funções desse braço do MP são pouco conhecidas e um dos motivos é que, embora tenha autonomia para ações próprias, o órgão ainda tem o orçamento ligado ao Tribunal de Contas, o que limita a sua efetividade. Na última semana, o MP de Contas do Paraná empossou novo procurador geral, Michael Reiner. Ele fica no cargo até 2016 e uma das lutas encampadas por ele será a adesão à campanha nacional pela autonomia do MP de Contas. Além disso, ele defende que a fiscalização ultrapasse a legalidade dos gastos, mas questione a legitimidade daquele investimento. Ele conversou com a Gazeta do Povo sobre o cargo e sobre a fiscalização de contas públicas. Confira os principais trechos.

O Ministério Público de Contas é um órgão pouco conhecido. Qual é a função dele e como funciona a atuação?

A função é fixada constitucionalmente. Como MP, nós devemos atuar na defesa da ordem jurídica e do estado democrático de direito. Temos um papel de fiscal da lei, principalmente em duas frentes: uma é um papel de intervenção em processos que são submetidos ao tribunal [de Contas]. Nós oficiamos em todos os processos de competência do tribunal. Ao lado disso, temos margem, dada pela lei, de ter atuação própria. Nesse aspecto, temos de ser um agente promotor da fiscalização. É uma situação bastante delicada. Estamos no âmbito de competência do Ministério Público – isso já foi avalizado inclusive pelo Conselho Nacional do Ministério Público – mas nossa estrutura é ligada a outro órgão. Hoje a gente começa a desdobrar perspectivas diferentes em relação a nossa configuração constitucional. Temos uma situação diversa no país, com lugares em que o Ministério Público de Contas tem maior ou menor autonomia. O que nos impede de desenvolver ou de ser tudo que gostaríamos de ser ainda é um reconhecimento da nossa autonomia administrativa e financeira, que nos daria maior margem para atuar. Temos plena autonomia funcional, mas na cena nacional, a discussão sobre autonomia do Ministério Público de Contas ganha força. Essa autonomia só acrescentaria numa ação mais efetiva ainda. Temos 20 funcionários e tivemos 22 mil processos, no último ano, para examinar. Nosso papel também é encontrar equilíbrio entre o papel de interventor e o de pró-atividade. Esse é grande desafio do Ministério Público de Contas.

Então o MP de Contas tem como atuar por conta própria?

Nós levamos em frente a atividade recursal, ou seja, podemos recorrer de decisão tomada pelo Tribunal de Contas. Mas a atuação por conta própria, além dessa função, é algo que vemos pouco. Não é que tenhamos amarras, mas é a configuração constitucional, que não dá independência administrativa e financeira.

E quais são as formas pelas quais o MP de Contas pode atuar ativamente?

Bom, a atividade recursal é o básico. Mas nós temos alguns exemplos de êxito em medidas pró-ativas e queremos incrementa-las. O Ministério Público de Contas fez um levantamento da estrutura de funcionários das prefeituras e câmaras municipais, para verificar adequação de cargos comissionados, para ver se estão em consonância com a Constituição. Buscamos esclarecimentos naquelas em que não havia regularização e ingressamos com uma representação no Tribunal. Esse é um exemplo, mas existem outras frentes que a gente vem trabalhando. Mas para fazer esses levantamentos e levar as questões ao tribunal, precisamos de fatos sólidos e para que se faça isso, demandamos estruturação.

A sociedade espera respostas dos órgãos de fiscalização das contas públicas. Como atuar para satisfazer essa necessidade?

O nosso papel sempre é reconhecido na medida em que as respostas vão chegando e as mudanças vão sendo observadas. A gente observa que em países e lugares onde há mais publicidade e acesso aos mecanismos de administração, há menos corrupção. Acredito que também é nosso papel dar ao cidadão essa possibilidade de acesso, porque aí, além de cobrar, ele vai atuar como grande aliado do controle. O Ministério Público de Contas tem esse papel a desempenhar, para que cada vez mais informações sejam colocadas à disposição, que sejam de fácil compreensão e fidedignas. Dessa maneira, a pessoa pode usar aquilo como meio de cobrança. O Ministério Público de Contas tem papel nisso, que é proporcionar e fiscalizar que essa transparência se solidifique como cultura corriqueira.

Quais são os planos para o cargo de procurador geral do MP de Contas?

Entre as minhas prioridades está equilibrar essa atuação que nós temos de interventor, que é importantíssima e nos ocupa majoritariamente. Temos dez procuradores e, no ano passado, passaram por aqui cerca de 22 mil processos. Ao lado disso, queremos conseguir intensificar o outro lado da nossa atribuição, que é o lado pró-ativo. Os dois papéis são importantes. Temos grupos de estudos em áreas como cargos comissionados, fiscalização da legislação ambiental, da acessibilidade, entre outros. A atuação desses grupos pode ser muito importante. A nossa competência não é só examinar a legalidade dos gastos públicos, mas, sobretudo a legitimidade. Nós queremos isso. Não adianta apenas se perguntar quanto o município X gastou em uma obra e se isso é condizente, mas se essa obra é relevante diante de outras situações prioritárias. Além de saber se o gasto é legal, se ele é legítimo.