Representação: MPC-PR apura indícios de desvio de função e cessão irregular de servidor do Município de Ibaiti

Portal de entrada do Município de Ibaiti, localizado na região do Norte Pioneiro do Estado do Paraná. Foto: Prefeitura Municipal.

A 6ª Procuradoria de Contas do Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR) apresentou a Representação nº 256270/25 em face do Município de Ibaiti, a fim apurar indícios de irregularidades relacionadas ao desvio de função de servidor efetivo, ocupante do cargo de Fiscal de Tributos.  

O processo foi motivado por denúncia encaminhada ao canal faleconosco@mpc.pr.gov.br, por meio da qual relatava-se que o referido servidor estaria realizando viagens com veículos oficiais para levar pacientes em consulta médica em outras cidades e para realizações de perícias no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e, consequentemente, recebendo verbas de diárias por tal atividade. 

Apuração dos fatos 

Após recebida a denúncia, o Núcleo de Análise Técnica (NAT) instaurou o Procedimento de Apuração Preliminar  (PAP nº 23/2024) e enviou demanda ao ente municipal via Canal de Comunicação (CACO nº 302772), solicitando esclarecimentos acerca dos motivos pelos quais o servidor ocupante do cargo de Fiscal de Tributos estaria fazendo viagens, se existia norma especial prevendo tal atribuição, bem como a motivação e ato formal de cessão do servidor para exercer eventual função de motorista junto à Câmara Municipal de Ibaiti. 

Em resposta, a municipalidade representada por seu Prefeito à época, Antonely de Cássio Alves de Carvalho, sustentou que alguns servidores, no escopo de auxiliar a administração, realizavam viagens esporadicamente em razão do elevado número de solicitações e diante da escassez de motoristas para suprir as necessidades.  

Nesse sentido, afirmou que o servidor mencionado na denúncia se enquadrava nessa situação, auxiliando em algumas viagens a pedido do gabinete do gestor municipal, que não contava com motoristas, assim como em casos ligados à Secretaria Municipal de Saúde, que possuía motoristas insuficientes para o extenso número de pedidos, contribuindo para levar pacientes de menor complexidade para retorno de consultas ou para realização de exames médicos.  

Ainda, na situação que se refere ao transporte de uma vereadora do Município, a qual também é servidora municipal no cargo de Auxiliar de Enfermagem, informou que naquele momento ela não estava no exercício do cargo de agente político, e sim ligada às funções do cargo municipal.  

Ao final, o gestor ainda ressaltou que as viagens realizadas por servidores que não são ocupantes do cargo de Motorista se enquadram em situações de caráter excepcional, não violando a Lei Municipal nº 818/2016, assim como não caracterizaria desvio de função, tendo em vista que, no caso de a demanda realizada pelo servidor não interferir em suas atribuições, em nada prejudicaria o ente municipal. 

Contudo, apesar das alegações apresentadas, o NAT concluiu pela existência de irregularidades, de modo que encaminhou o procedimento à 6ª Procuradoria de Contas para apreciação e tomada das medidas cabíveis. 

Representação 

Ao analisar os fatos apresentados no Procedimento de Apuração Preliminar, a 6ªPC entendeu que os fatos merecem uma investigação mais aprofundada, por meio do processo de Representação, visto que se trata de tema de competência do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR). 

Para entender melhor quais de fato são as atribuições do cargo de Fiscal de Tributos, o gabinete promoveu uma verificação da Lei Municipal nº 818/2016, que institui o Manual de Cargos da Estrutura de Cargos, Plano de Cargos, Vencimentos e Carreiras do Servidor Público Municipal de Ibaiti. Segundo a normativa, cabe ao Fiscal de Tributos “fiscalizar o recolhimento de taxas e contribuições de melhorias, impostos imobiliários e demais tributos de âmbito municipal; fazer cumprir a legislação que trata da prestação de serviços, comércio e indústria de bens de consumo, regulamentando o funcionamento destes.” Posteriormente, a Lei Municipal nº 908/2018 incluiu, ainda, a função de efetuar lançamento de créditos tributários no âmbito municipal.  

A partir da análise das funções desse cargo, o MPC-PR verificou que não está prevista a de dirigir e transportar pessoas, de modo que o desempenho de tal atividade caracteriza desvio de função, uma vez que o servidor não prestou concurso para o cargo de Motorista, configurando, por consequência, burla ao instituto do concurso público. Além disso, os pré-requisitos previstos na Lei Municipal nº 818/2016 para o cargo de Motorista e Fiscal de Tributos não são similares. 

Sobre isso, a 6ªPC pontuou que, inclusive, a exigência de ensino médio para o cargo de Fiscal de Tributos é incompatível com as funções a serem exercidas, na medida em que a competência técnica deve ser qualificada, decorrente de formação de ensino superior nas áreas de Direito ou Contabilidade. 

Em acréscimo, os documentos que acompanham a denúncia também demonstraram que as viagens realizadas pelo servidor em questão não foram esporádicas, mas constantes, haja vista que foram emitidos 31 empenhos de diárias por motivos de viagens que ocorreram entre o dia 10 de janeiro e 6 de maio de 2024. Logo, em menos de quatro meses, o servidor passou 31 dias em função estranha, praticamente 1/3 dos dias trabalhados. 

Como demonstrado pelo MPC-PR, em casos análogos, o TCE-PR já se manifestou pela irregularidade do desvio de função no serviço público, conforme os Acórdãos nº 1230/24 e nº 3165/23, ambos do Tribunal Pleno, de modo que a jurisprudência da Corte reafirma que a prática de desvio de função no serviço público não apenas compromete a regularidade da administração, mas também impõe aos gestores a responsabilidade pela correção da irregularidade e a aplicação da sanção cabível. 

Quanto ao empenho de diária emitido para a cobertura de despesas de viagem à cidade de Curitiba para buscar uma vereadora para reunião de urgência, o Município alegou que, na ocasião, a veadora estava atuando no cargo ocupado junto ao Poder Executivo Municipal de Auxiliar de Enfermagem. 

Entretanto, o referenciado empenho revela que o servidor foi buscar uma vereadora destacada do cargo de agente político, e tal documento, além de público, com as presunções de legitimidade e legalidade inerentes, foi emitido pelo Município de Ibaiti, demonstrando, assim, uma contrariedade entre o empenho preenchido e a justificativa prestada. 

Apesar dessa questão, o MPC-PR entendeu que a cessão de servidor deve seguir as regras estabelecidas em lei e regulamentos, como previsão legal, autorização formal e justificativa de interesse público. Caso contrário, haverá afronta ao princípio da legalidade, conforme decisão de caráter vinculante do TCE-PR, mediante o Acórdão nº 1582/22 do Tribunal Pleno. 

Ainda, vale destacar, que quando um servidor fica à disposição de outro órgão sem o atendimento de critérios adequados, compromete o funcionamento do órgão de origem, prejudicando a prestação dos serviços públicos, sobretudo no caso em apreço em que o servidor é responsável, dentre outros aspectos, pelo lançamento de créditos tributários e fiscalização dos tributos municipais. 

Sendo assim, a 6ª Procuradoria de Contas protocolou a Representação junto ao TCE-PR para apurar a irregularidade no desvio de função de servidor efetivo no cargo de Fiscal de Tributos do Município de Ibaiti, bem como a sua cessão irregular ao Poder Legislativo. 

Ainda, sugeriu a expedição de determinação ao ente municipal, para que promova a regularização do cargo em análise e que seja aplicada multa ao gestor responsável pelas irregularidades. 

Andamento do processo 

Mediante o Despacho nº 536/25, a representação foi recebida pelo Relator Conselheiro Fernando Augusto Mello Guimarães e, inicialmente, foi determinada a citação do atual Prefeito, Roberto Regazzo, para que prestasse esclarecimentos. 

Contudo, em sede de defesa, o Município argumentou pela ilegitimidade passiva do atual gestor, tendo em vista que os fatos questionados ocorreram integralmente na gestão anterior, do ex-Prefeito Antonely de Cassio Alves de Carvalho. Afirmam que a atual administração teve conhecimento dos atos somente após a intimação formal e que não autorizou ou participou das condutas investigadas. 

Em acréscimo, alegou que as viagens realizadas pelo servidor foram pontuais, excepcionais e não descaracterizaram suas atribuições principais no Departamento de Tributação. Quanto à suposta cessão ao Poder Legislativo, afirmou não ter havido transferência de lotação, tampouco exercício de função típica de vereadora, tratando-se apenas de deslocamento eventual de uma servidora vinculada à Secretaria de Saúde. 

No que tange à discussão sobre a escolaridade exigida para o cargo de Fiscal de Tributos, a defesa sustentou que a legislação municipal, ao prever o ensino médio como requisito, encontra-se amparada na discricionariedade legislativa reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), desde que observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.  

Por fim, informou que eventual determinação de regularização funcional do servidor tornou-se prejudicada em razão de sua aposentadoria, formalizada pela Portaria nº 166, de 09 de abril de 2025, o que implicaria perda de objeto. 

Sendo assim, requereu o reconhecimento da ilegitimidade passiva do atual Prefeito Roberto Regazzo com a exclusão de seu nome do polo passivo e afastamento de eventual penalidade; a improcedência da alegação de desvio de função e cessão irregular; pelo reconhecimento da perda de objeto quanto à regularização funcional; e, por fim, a total improcedência da Representação. 

Em nova manifestação, por meio do Parecer nº 629/25, o Ministério Público de Contas verificou que de fato as irregularidades haviam sido praticadas antes do início da gestão do atual Prefeito. Dessa forma, antes de se manifestar definitivamente sobre o mérito processual, requereu a exclusão do Sr. Roberto Regazzo do polo passivo e autuação e citação do Sr. Antonely de Cássio Alves de Carvalho apresente esclarecimentos.  

O Relator atendeu ao pedido, mediante o Despacho nº 1087/25, e, no momento, os autos aguardam novas manifestações das partes para prosseguimento da análise e posterior julgamento. 

Informação para consulta processual

Processo nº: 256270/25
Despacho nº: 1087/25
Assunto: Representação
Entidade: Município de Ibaiti
Relator: Conselheiro Fernando Augusto Mello Guimarães