
O Município de Jandaia do Sul instaurou um processo de consulta perante o Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), por meio de seu representante legal, o Prefeito Lauro de Souza Silva Junior. Os questionamentos apresentados referiam-se à possibilidade de captação de recursos financeiros pelos Municípios por meio das cooperativas de crédito.
A Consulta foi devidamente recebida, tendo em vista o cumprimento dos pressupostos de admissibilidade existentes no artigo 38 da Lei Orgânica e artigo 311 do Regimento Interno do TCE-PR, nos termos do Despacho do Relator Augustinho Zucchi nº 10/2024.
Questionamentos
Os questionamentos trazidos pelo Município de Jandaia do Sul foram apresentados da seguinte maneira:
Questionamento 1) A partir da alteração legislativa introduzida pela Lei Complementar nº 196, de 24 de agosto de 2022, o Município pode depositar suas disponibilidades de caixa e realizar outras movimentações financeiras por meio de cooperativas de crédito?
Questionamento 2) Se sim, é possível realizar tais movimentações por meio do sistema cooperativo, ainda que haja instituição financeira oficial no Município?
Questionamento 3) Em caso de verificada a possibilidade de movimentação por meio das cooperativas, e em havendo mais de uma instituição similar com abrangência no território municipal, verificando-se, portanto, a ocorrência de viabilidade de competição, é necessária a realização de procedimento licitatório para a contratação?
Instrução
A primeira manifestação na fase instrutória foi realizada pela Coordenadoria-Geral de Fiscalização (CGF). Conforme Despacho nº 107/24, a CGF informou que o objeto da consulta tem relação com as fiscalizações realizadas, motivo pelo qual solicitou que, após julgamento, os autos retornem para ciência da decisão.
Na sequência, a Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM), analisou pontualmente os questionamentos apresentados pelo Município de Jandaia do Sul, conforme Instrução nº 3414/24.
De maneira resumida, a CGM compreendeu que o Consulente pretendia obter resposta sobre a possibilidade de depósito das disponibilidades de caixa em cooperativas de crédito, questionando se a atuação das cooperativas é tida como uma exceção, e argumenta que “o próprio texto de lei traz restrições e impõe garantias, a fim de dar segurança aos recursos públicos depositados.”
A CGM afirmou que, conforme jurisprudência do TCE-PR, por meio do Acórdão nº 2053/19 do Tribunal Pleno, a captação de recursos municipais por cooperativas de crédito não configura exceção à preferência dada aos bancos oficiais para a movimentação de disponibilidades (conforme redação do artigo 164, §3º, da Constituição Federal), mas, equipara as referidas cooperativas às instituições financeiras não oficiais, para efeito de permitir sua participação nesse mercado, dentro das mesmas condições de atuação.
Em sua fundamentação, afirmou que o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) e a redação da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (Lei Complementar nº 101/2000) não foram alterados, permanecendo vigente o fato de que as disponibilidades de caixa dos Estados-membros deverão ser depositadas em instituições financeiras oficiais.
A unidade informou que, nesse sentido, a alteração mais significativa foi em relação à inserção das cooperativas de crédito no sistema financeiro nacional por meio de Emenda Constitucional (artigo 192) e, mais recentemente, a autorização, por meio da Lei Complementar nº 161/2018, para que as cooperativas de crédito possam captar recursos dos Municípios.
Concluiu pela resposta da presente consulta nos termos dos Acórdãos 2053/19 e 2187/19 do Tribunal Pleno do TCE-PR, ao visualizar que não há necessidade de atualização na orientação anterior, uma vez que a permissão para que as cooperativas captem recursos dos municípios já havia sido dada pela Lei Complementar nº 161/2018. Nestes termos, concluiu pela resposta à Consulta na seguinte forma:
Resposta 1) O Município pode depositar suas disponibilidades de caixa e realizar outras movimentações financeiras por meio de cooperativas de crédito, nos termos permitidos por Lei Complementar da União, especificamente a LC 161/2018 e LC 196/2022.
Resposta 2) Se houver instituição financeira oficial no Município, as disponibilidades financeiras devem ser depositadas nas instituições oficiais, uma vez que, nos termos do Acórdão 2053/19, “a previsão do §1º do art. 2º da Lei Complementar nº 164/18 (sic), quanto à captação de recursos municipais por cooperativas de crédito, não configura exceção à preferência dada aos bancos oficiais pelo art. 164, §3º, da Constituição Federal para a movimentação de disponibilidades, mas, equipara as referidas cooperativas às instituições financeiras não oficiais, para efeito de permitir sua participação nesse mercado, dentro das mesmas condições de atuação”.
Resposta 3) Nos termos do Acórdão nº 2187/19, do Pleno, “se houver pluralidade de cooperativas abrangidas pela região do Município e, ainda, instituições financeiras privadas”, há necessidade de se adotar o processo licitatório, “concorrendo as instituições financeiras não oficiais em igualdade de condições”.
Ministério Público de Contas
O Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR), de acordo com o Parecer nº 222/24, entendeu que o Município de Jandaia do Sul buscou novo pronunciamento do TCE-PR sobre a possibilidade de depósito das disponibilidades de caixa em cooperativa de crédito, à luz das alterações advindas da edição da Lei Complementar nº 196/2022. O Procurador-Geral de contas afirmou que, embora o advento da referida Lei tenha promovido alterações na redação do artigo 2º, §1º da Lei Complementar nº 130/2009, mediante inclusão de seis incisos, não houve modificação no conteúdo referente à possibilidade de captação de recursos pelos Municípios. Dessa forma, os entendimentos normativos vinculantes fixados pelo Pleno do TCE-PR, nos Acórdãos nº 2053/19 e 2187/19, permanecem idênticos.
Por este motivo, o MPC-PR, manifestou-se preliminarmente pela extinção dos autos sem julgamento de mérito, tendo em vista que o TCE-PR já se pronunciou sobre o tema objeto da consulta, nos termos dos Acórdãos nº 2053/19 e 2187/19 do Tribunal Pleno. Alternativamente, opinou pela resposta das indagações formuladas pelo consulente nos termos propostos pela Instrução nº 3414/24 da Coordenadoria de Gestão Municipal.
Divergência dos votos
No julgamento foram apresentadas duas propostas de voto pelos Conselheiros Augustinho Zucchi (vencedor) e Ivan Lelis Bonilha (vencido), as quais foi possível diferenciar da seguinte forma:
- Posicionamento em relação à alteração legislativa:
Augustinho Zucchi entende que as inovações legislativas, especialmente a Lei Complementar nº 196/2022, justificam uma nova interpretação sobre a possibilidade de depósitos em cooperativas, mesmo havendo banco oficial no município. Ele argumenta que há segurança jurídica suficiente para essa movimentação e que a competição entre instituições financeiras (bancos oficiais e cooperativas) pode trazer benefícios ao erário público. Ivan Lelis Bonilha, por outro lado, considera que a Lei Complementar nº 196/2022 não trouxe mudanças substanciais na norma vigente, apenas reorganizando seu texto. Para ele, a jurisprudência do Tribunal já consolidada nos Acórdãos 2053/19 e 2187/19 deve ser mantida, sem necessidade de reabertura do debate.
- Interpretação sobre a exceção constitucional:
Zucchi sustenta que a nova legislação ampliou as exceções previstas na Constituição, permitindo que as cooperativas de crédito possam receber depósitos de disponibilidades municipais, ainda que haja bancos oficiais no Município. Ele considera que isso fortalece o cooperativismo e atende ao princípio da eficiência. Bonilha mantém o entendimento de que a exceção constitucional só se aplica quando não há banco oficial disponível no Município. Ele reforça que a interpretação do Tribunal de Contas já foi firmada anteriormente e que não houve alteração normativa suficiente para modificá-la.
- Efeito da mudança na composição de membros do TCE-PR:
Zucchi destaca que, além da mudança legislativa, houve alteração de 1/3 dos membros do Tribunal, o que poderia justificar uma nova abordagem sobre o tema. Bonilha não considera a mudança na composição do Tribunal um argumento válido para revisar uma decisão já consolidada.
- Obrigatoriedade de licitação:
Augustinho Zucchi defende que, se houver tanto cooperativas quanto bancos oficiais no Município, a escolha da instituição para gerir os recursos públicos deve ser feita por meio de um processo licitatório, garantindo melhores condições ao erário. Ivan Lelis Bonilha segue o entendimento de que a prioridade para bancos oficiais já está consolidada.
Decisão final
Conforme votação plenária, de acordo com o Acórdão nº 4283/24 do Tribunal Pleno, restou vencedor o voto do Conselheiro Augustinho Zucchi, por força de desempate do Presidente do TCE-PR, sendo a Consulta do Município de Jandaia do Sul respondida nos seguintes termos:
Questionamento 1) A partir da alteração legislativa introduzida pela Lei Complementar nº 196, de 24 de agosto de 2022, o Município pode depositar suas disponibilidades de caixa e realizar outras movimentações financeiras por meio de cooperativas de crédito?
Resposta: Sim, tal possibilidade já fora prevista no Acórdão nº 2187/19-STP, nos seguintes termos: Sim, com o advento das inovações trazidas pela Lei Complementar nº 161/2018, que, em seu artigo 2º, §1º, abriu a possibilidade de captação de recursos dos Municípios pelas cooperativas de crédito – os quais não integrarão o respectivo quadro social –, ressaltando-se a restrição geográfica contida no §9º, uma vez que “somente poderão ser realizadas em Município que esteja na área de atuação da referida cooperativa de crédito. Outrossim, de acordo com o artigo 2º da Resolução nº 4.659/2018, somente se admite “a captação de recursos dos Municípios exclusivamente por cooperativas de crédito classificadas nas categorias plena ou clássica”.
Questionamento 2) Se sim, é possível realizar tais movimentações por meio do sistema cooperativo, ainda que haja instituição financeira oficial no Município?
Resposta: Sim, é possível em razão da excepcionalidade trazida à norma constitucional do art. 164, §3º, trazida na Lei Complementar 161/18 e Lei Complementar nº 196/22, desde que a cooperativa atenda aos requisitos previstos nas normas pertinentes, garantindo a segurança dos recursos públicos lá depositados.
Questionamento 3) Em caso de verificada a possibilidade de movimentação por meio das cooperativas, e em havendo mais de uma instituição similar com abrangência no território municipal, verificando-se, portanto, a ocorrência de viabilidade de competição, é necessária a realização de procedimento licitatório para a contratação?
Resposta: Nos termos do Acórdão nº 2187/19, do Pleno, “se houver pluralidade de cooperativas abrangidas pela região do Município e, ainda, instituições financeiras privadas”, há necessidade de se adotar o processo licitatório, “concorrendo as instituições financeiras não oficiais em igualdade de condições”.
Informação para consulta processual
Processo nº: 827300/23 Acórdão nº: 4283/24 – Tribunal Pleno Assunto: Consulta Entidade: Município de Jandaia do Sul Relator: Conselheiro Augustinho Zucchi