
O Município de Jaboti, por meio de seu representante legal, protocolou junto ao Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) um processo de consulta a respeito da possibilidade da contratação de escritório de advocacia para patrocinar demandas específicas relativas ao Tribunal de Contas, Tribunais em Segundo Grau e Tribunais Superiores, visando obter maior economicidade na prestação de serviços jurídicos.
Na fase da instrução processual, o Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR) destacou o fato de que o Município realizava a contumaz terceirização de serviços jurídicos, situação que se configurava consolidada antes mesmo da apresentação da consulta. Fundamentou que a resposta da Corte de Contas não poderia, de forma alguma, legitimar a contratação indiscriminada de serviços jurídicos.
Diante do contexto, o MPC-PR requereu a instauração de Tomada de Contas Extraordinária para investigar a irregular terceirização dos serviços jurídicos rotineiros no Município de Jaboti, a qual foi acolhida pelo Conselheiro Maurício Requião de Mello e Silva, conforme Despacho nº 1235/25.
Entenda o caso
O Município de Jaboti apresentou onze questionamentos perante o TCE-PR para esclarecer dúvidas a respeito de contratação de escritórios de advocacia, os quais foram redigidos da seguinte forma:
- (i) Em tese e considerando o entendimento mais recente sobre o tema, seria possível afirmar que: dadas as circunstâncias de distância das cidades do interior paranaense, e em especial de Jaboti-PR, em relação à Capital Paranaense; os custos de deslocamento; a estrutura limitada da Procuradoria Jurídica; a maior habitualidade e experiência para diligências in loco dos escritórios de advocacia com sede ou filial na capital ou nas cidades em que se encontram as sedes dos Tribunais, inclusive superiores; é possível a contratação direta de advogado ou escritório de advocacia especializado e com maior experiência no atendimento aos Tribunais, via inexigibilidade, para atendimento visando suprir tais diligências?
- (ii) Em tese e considerando o entendimento mais recente sobre o tema, seria possível afirmar que: dada a estrutura limitada da Procuradoria Jurídica e a dificuldade em construir um corpo jurídico especializado, conforme o parecer jurídico, é possível a contratação direta de advogado ou escritório de advocacia especializado visando suprir demanda excessiva e/ou específica da Procuradoria Jurídica do Município de Jaboti?
- (iii) Em caso positivo, atendidos os requisitos do inciso II do art. 25 da Lei n. 8.666/1993 ou do art. 74 da Lei 14.133/2021, é inexigível procedimento licitatório para contratação de serviços advocatícios pela Administração Pública?
- (iv) O fato de o ente público ter assessor(es) em seu quadro e/ou procuradoria Jurídica é fator impeditivo para contratação de consultoria e/ou assessoria jurídica?
- (v) Quais os critérios objetivos que a Administração Pública pode utilizar para inferir que os advogados a serem contratados por processo de inexigibilidade detém notória especialização, além dos critérios já previstos, de modo exemplificativo, na legislação (art. 25, §1º, da Lei nº 8.666/1993 e art.3º-A, caput, § 3º do art. 74 da Lei nº 14.133/2021 e parágrafo único, da Lei nº 8.906/1994)?
- (vi) Preenchidos os requisitos legais, é possível a contratação direta, por prazo determinado, de escritório de advocacia para atualização e treinamento da equipe da procuradoria e do departamento de compras no tocante à Nova Lei de Licitações e outras legislações/procedimentos pertinentes à matéria?
- (vii) Quais os critérios mais adequados para justificar o preço na contratação dos serviços técnicos jurídicos por inexigibilidade?
- (viii) No caso de se fazer necessária a contratação para causas específicas, que se busca o proveito econômico para o ente público contratante consistente em deixar de pagar ou receber quantia, é possível firmar contrato de serviços advocatícios por êxito? Em caso positivo, em até qual percentual?
- (ix) Preenchidos os requisitos para contratação por inexigibilidade, a confiança na capacidade técnica-intelectual, em última instância, pode ser adotada como critério no processo de escolha do contratado, haja vista a natureza subjetiva da contratação?
- (x) Por fim, considerando a natureza do serviço público pode-se dizer que os serviços de consultoria e/ou assessoria jurídica são considerados serviços contínuos?
- (xi) É possível a contratação de serviços advocatícios por dispensa de licitação, na forma do art. 24, II, da Lei nº 8.666/1993 e art. 75, II, da Lei nº 14.133/2021? Em quais circunstâncias?
A petição inicial acompanhou Parecer Jurídico, o qual mencionou que no Município existe apenas um servidor encarregado de analisar todas as questões jurídicas, o que levanta a necessidade de contratar um escritório de advocacia especializado. Afirmou, ainda, que a contratação seria uma possibilidade de obter serviços mais eficazes e, ao mesmo tempo, promover economia para a Administração Pública, já que a realização de um concurso para advogado poderia acarretar custos e tempo elevados, além de impactar a folha de pagamento.
Por meio do Despacho nº 856/2023, o Relator admitiu a consulta e encaminhou à Supervisão de Jurisprudência e Biblioteca (SJB) para juntada de informação, a qual destacou a existência do Prejulgado nº 06, bem como o Acórdão nº 449/06, os quais possuem semelhança com o tema em análise.
Instrução
Os autos foram encaminhados à Coordenadoria de Gestão Municipal, a qual opinou pelo oferecimento das respostas nos termos da Instrução nº 785/25.
O Ministério Público de Contas, por sua vez, iniciou o Parecer nº 170/25 destacando os principais achados na análise realizada ao contexto fático do Município, sendo:
- Dos dois cargos para advogado efetivo, apenas um se encontra provido;
- O Município, por decisão eminentemente política e discricionária, optou por não instituir uma Procuradoria Municipal devidamente estruturada, fato que pode ser reforçado pela deliberada redução de jornada (20 horas semanais);
- O Município de Jaboti já recorreu a inúmeras terceirizações de serviços advocatícios, para representação junto a Tribunais Superiores, sem previa consulta a esta Corte de Contas;
- Recentemente, o Município credenciou advogados para atividades típicas da administração, como atuar em sindicâncias, inquéritos e processos administrativos disciplinares, conforme edital nº 01/2024.
- Possui histórico de utilizar indevidamente contratação, por inexigibilidade, de advogado para atuar em processos administrativos em geral (edital 05/2024), função para a qual já tem em seu quadro um servidor efetivo e outro em cargo comissionado de assessor jurídico cuja atuação precípua deste último é a de atuar em processos administrativos.
Dos fatos narrados, verificou-se o descumprimento do Estatuto dos Servidores – Lei Municipal nº 02/2012; da Lei de Licitações, artigo 79, da Lei nº 14.133/2021; da Lei Orgânica – artigo 11, incisos XXVII e XXVIII, 95, inciso II, 98, 100, 110, 112; e do Estatuto da OAB (Lei Federal 8.906/1994).
Por oportuno, diante dos fatos acima narrados, o MPC-PR sugeriu a instauração de Tomada de Contas Extraordinária, a fim de que seja aferida a regularidade de todas as contratações de serviços advocatícios em curso, não só a do credenciamento objeto do Edital nº 01/2024, e da dispensa/inexigibilidade do Edital nº 05/2024, mas também de todos os vínculos que conferem a advogados alheios ao quadro de servidores o direito de representar o município em ações que estejam ainda em tramitação perante o Poder Judiciário.
Igualmente, sugeriu que o Município seja orientado a observar adequadamente a previsão do artigo 39, § 1º, da Constituição Federal, estabelecendo um quadro de pessoal, em especial no que tange a estruturação dos serviços jurídicos, seja por meio de Procuradoria Municipal ou outro arranjo organizacional, além do cumprimento da legislação estatutária municipal referente à carga horária.
Decisão
Conforme Despacho nº 1235/25, o Conselheiro Maurício de Mello Requião e Silva reexaminou os fatos após manifestação da CGM e do MPC-PR, e verificou que a consulta, em que pese formulada por autoridade legítima e acompanhada de parecer jurídico, não atende ao requisito previsto no art. 38, V, da Lei Complementar n. 113/2005, e do art. 311, V, do Regimento Interno.
Isto é, o TCE-PR deve responder às Consultas apenas em tese e com base em dúvidas claramente formuladas. Cabe ao gestor apresentar questionamentos que envolvam lacunas normativas, conflitos entre normas, múltiplas interpretações possíveis ou outras questões jurídicas relevantes à competência do Tribunal.
Ocorre que o Consulente visa esclarecer supostas dúvidas sobre contratações jurídicas que vem efetuando fora das regras do Prejulgado nº 06. Nesse sentido, conforme precedente desta Corte, essas contratações devem ser excepcionais, bem justificadas e não podem substituir os advogados públicos efetivos. Logo, não se trata de um questionamento em tese, mas de caso concreto, do qual não está apta essa Corte de Contas a se manifestar, entendimento esse, inclusive, sumulado:
Súmula n° 03/TCE-PR: “As consultas que versarem sobre caso concreto não serão admitidas por este Tribunal, salvo se tratarem de assunto de relevante interesse público, devidamente motivado, situação em que delas se poderá conhecer, desde que satisfeitos todos os requisitos para a sua admissibilidade, constituindo-se a resposta em apreciação de tese, mas não de caso concreto.”
Logo, votou pelo não conhecimento da consulta, e acolhimento da sugestão do MPC-PR, determinando a abertura de Tomada de Contas Extraordinária, tendo como interessados o Município de Jaboti e Regis William Siqueira Rodrigues, Fabio Henrique Curan, Fabio Araújo Gomes, a fim de apreciar se as contratações de serviços jurídicos, realizadas pelo Município, foram realizadas em conformidade com as exigências legais, quais sejam:
a) procedimento administrativo formal;
b) inadequação da prestação do serviço pelos servidores;
c) alta complexidade da demanda;
d) notória especialização do contratado;
e) compatibilidade do preço com a responsabilidade profissional exigida pelo caso, e respeito ao valor de mercado;
f) conformidade aos entendimentos exarados por esta Corte de Contas, em especial o Prejulgado nº 6.
Os autos foram encaminhados à Diretoria de Protocolo para autuação e distribuição e, após, nova manifestação das partes.
Informação para consulta processual
Processo nº: 250330/23 Despacho nº: 1325/25 Assunto: Consulta Entidade: Município de Jaboti Relator: Conselheiro Maurício Requião de Mello e Silva