Consulta esclarece aplicação das regras de aposentadoria previstas na Emenda Constitucional nº 103/2019

Edifício-Sede da Assembleia Legislativa do Paraná, localizada na capital Paranaense, em Curitiba. Foto: divulgação.

“O redutor de benefícios constante do artigo 24 da Emenda Constitucional nº 103/2019, quando acumuladas aposentadorias e pensões, tem eficácia plena e aplicabilidade imediata. Dessa forma, a aplicação da norma independe de reforma legislativa do ente federado, resguardando-se a proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito, bem como a aplicação do princípio tempus regit actum, o qual estabelece que a lei que vale para analisar um ato jurídico é a lei que estava em vigor no momento em que o ato foi praticado.”  

Esse é o entendimento do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR), em consonância com a manifestação do Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR), em resposta à Consulta apresentada pelo então Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (ALEP), Ademar Traiano, por meio da qual encaminhou consulta apresentada pela Deputada Estadual Ana Julia Ribeiro. 

Entenda a consulta 

De acordo com o documento apresentado pela Deputada, instalou-se uma controvérsia entre a administração do Regime Próprio de Previdência do Município de Araucária e dirigentes do sindicato de servidores, a respeito do alcance da norma prevista no art. 24 da citada EC nº 103/2019. Ocorre que alguns entendem que tal norma é de aplicação imediata, ao passo que outros advogam que sua aplicabilidade dependeria da edição de lei municipal disciplinando a matéria.  

Nesse sentido, mencionou que no âmbito do Estado do Paraná e do Município de Curitiba, as regras das pensões somente passaram a ser aplicadas após a aprovação de emendas na Constituição Estadual e na Lei Orgânica municipal. 

Em acréscimo, informou que, a despeito da ausência de alteração legislativa, o RPPS do Município de Araucária passou a adotar os redutores previstos no art. 24 da EC nº 103/2019, ocasionando insegurança jurídica aos servidores e pensionistas, com risco de se gerar um passivo no Fundo de Previdência. 

Por sua vez, o Parecer Jurídico anexado pela consulente sustenta a impossibilidade de aplicação das regras constantes do art. 24 da EC nº 103/2019 até que sejam aprovadas normas locais recepcionando-as. 

Desta forma, diante da controvérsia de entendimentos, solicitou a manifestação do TCE-PR sobre o tema, a fim de esclarecer se as regras que estipulam redutores nas hipóteses de acumulação de benefícios previdenciários são de aplicação imediata ou dependem da edição de leis locais. 

Instrução do Processo 

Instada a se manifestar, a Coordenadoria de Gestão Estadual (CGE) acompanhou a conclusão do Parecer Jurídico anexado pela Deputada, sustentando que a aplicabilidade do art. 24 da EC nº 103/2019 condicionasse à aprovação de leis locais que o recepcionem. 

Contudo, uma vez que os questionamentos se referem à entidade municipal, sugeriu que os autos fossem encaminhados à então Coordenadoria de Gestão Municipal, atualmente sendo responsável a Coordenadoria de Atos de Pessoal (COAP), unidade técnica criada com a publicação da Resolução nº 127/2025.  

Acatada a sugestão pelo Relator, Conselheiro Jose Durval Mattos do Amaral, a Consulta foi remetida à COAP, a qual opinou no sentido de que o art. 24 da EC nº 103/2019 se caracteriza como norma autoexecutável, de eficácia plena, capaz de produzir todos os efeitos previstos, sendo esse também o entendimento do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul (TCE-RS) e do Ministério da Economia. 

A unidade ainda pontuou que a referida emenda ressalvou duas situações ao restringir a acumulação de benefícios previdenciários, sendo elas: (I) o direito de quem já percebia integralmente os benefícios em acumulação (ato jurídico perfeito); e (II) o direito de quem, embora não estivesse efetivamente acumulando, já reunia os requisitos para fazê-lo pelas regras anteriormente vigentes à Emenda (direito adquirido).  

Por sua vez, nas hipóteses em que o óbito do segurado tenha ocorrido após a Reforma da Previdência, a CAOP ressaltou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que a redução prevista na EC nº 103 deve ser aplicada nos casos de acúmulo de aposentadoria e pensão por morte, concedidas em regimes distintos. 

Ao final, a COAP concluiu que as normas insertas nos §§ 1º, 2º, 3º e 4º do art. 24 da Emenda Constitucional n° 103 são de eficácia plena e aplicabilidade imediata, assegurando-se proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e a aplicação do princípio tempus regit actum, nos termos do § 4º do mesmo artigo. Consignou, ainda, como ressalva, que inúmeras situações poderão advir de casos concretos, de modo que as razões expendidas em sua instrução não alcançam todas as demandas factuais que a matéria enseja, especialmente à luz das interpretações jurídicas diversas postas na legislação previdenciária dos entes. 

Ministério Público de Contas 

Por meio do Parecer nº 146/25, a Procuradoria-Geral do MPC-PR acompanhou o entendimento da COAP de que as regras previstas no art. 24 da EC nº 103/2019 são de eficácia plena e aplicabilidade imediata, pois trata-se de norma aplicável a todos os entes da federação desde o início de vigência da reforma previdenciária, ocorrida em 13 de novembro de 2019, que não dependente da edição de leis locais para produzir seus efeitos. 

Nesse sentido, observou que conforme a Nota Técnica SEI nº 12212/2019 elaborada pelo Ministério da Economia, via de regra, todos os dispositivos da reforma da previdência não expressamente ressalvados pelo art. 36 da EC nº 103/2019, vigoram para Estados, Distrito Federal e Municípios desde a data de sua publicação. É o caso da norma que dispõe sobre vedações, hipóteses e restrições nos casos de acumulações dos benefícios de aposentadorias e pensões, sobre a qual não há qualquer ressalva sobre a vigência geral e irrestrita destas regras. 

Verifica-se que a única limitação quanto à aplicabilidade imediata da norma constitucional, diz respeito à preservação do direito adquirido perfectibilizado antes da vigência da Emenda. O mesmo entendimento está consignado na Portaria nº MTP nº 1.467/2022. 

Além disso, o MPC-PR também pontuou um equívoco no que foi apontado no Parecer Jurídico encaminhado junto a consulta, de que no âmbito do Estado do Paraná e do Município de Curitiba a aplicabilidade das regras em análise só teve início após a edição de leis próprias. Isto porque, tanto a Lei Complementar Estadual nº 233/2021, como a Lei Complementar Municipal nº 133/2021, não condicionaram a validade e eficácia do art. 24 da EC nº 103/2019 ao início de vigência dos respectivos diplomas legais, alinhando-se, portanto, ao entendimento de aplicabilidade geral e irrestrita da norma.  

Esse é o entendimento também já proferido pelo Supremo Tribunal Federal, inclusive em recente julgamento do RE 1.510.285/DF, no qual o Ministro Nunes Marques negou provimento ao recurso extraordinário interposto em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. 

Diante desses fatos, o MPC-PR opinou pelo oferecimento da seguinte resposta à dúvida apresentada pela ALEP quanto ao alcance das regras fixadas no art. 24 da EC nº 103/2019:  

“As regras disciplinadoras da acumulação de aposentadorias e pensões previstas no art. 24 da EC nº 103/2019, tem eficácia plena e aplicabilidade imediata, resguardado o direito adquirido nos casos em que os fatos geradores para fruição dos benefícios tenham ocorrido antes da entrada em vigor da Emenda.” 

Decisão 

Em razão da relevância do tema e da ausência de unanimidade entre as unidades, o Relator optou por solicitar a manifestação da Procuradoria-Geral do Estado, a qual se alinhou integralmente ao entendimento da COAP e do Ministério Público de Contas. 

Acompanhando esse opinativo, o Relator observou eu além das normativas apresentadas que esclarecem a questão, a dúvida suscitada encontra também resposta objetiva no artigo 165, § 6º, da Portaria MPT nº 1.467, de 2 de junho de 2022, responsável por disciplinar os parâmetros e as diretrizes gerais para organização e funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em cumprimento à Lei nº 9.717, de 1998, aos arts. 1º e 2º da Lei nº 10.887, de 2004 e à Emenda Constitucional nº 103, de 2019. Observou que o aludido dispositivo vem inserido na seção que trata das diretrizes de acumulação de benefícios, o qual, em linhas gerais, repete o multimencionado artigo 24, mas inova ao estatuir que as restrições previstas neste artigo se aplicam ainda que os entes não tenham efetuado reforma na legislação do RPPS de seus servidores e continuem a aplicar as normas constitucionais e infraconstitucionais anteriores à data de publicação da Emenda Constitucional nº 103, de 2019. Do que se tem, mais uma vez, que a aplicabilidade do artigo em voga é imediata. 

Com isso, o Relator concluiu seu voto pelo conhecimento da Consulta para, no mérito, esboçar resposta no sentido de que, o redutor de benefícios constante do artigo 24 da Emenda Constitucional n.º 103/2019, quando acumuladas aposentadorias e pensões, tem eficácia plena e aplicabilidade imediata, e, dessa maneira, independe de reforma legislativa do ente federado, resguardando-se a proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito, bem como a aplicação do princípio tempus regit actum. 

Os membros do Tribunal Pleno acompanharam, por unanimidade o voto do Relator, conforme a decisão expressa no Acórdão nº 2171/25, publicado no Diário Eletrônico do TCE-PR nº 3514, do dia 27 de agosto de 2025. 

Informação para consulta processual

Processo nº: 607173/23
Acórdão nº: 2171/25
Assunto: Consulta
Entidade: Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP)
Relator: Conselheiro Jose Durval Mattos do Amaral