MPC-PR apura indícios de irregularidades no uso de recursos da educação básica pelo Município de Araruna

Sala de aula. Imagem meramente ilustrativa. Foto: divulgação.

O Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR) protocolou junto ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR) a Representação nº 256220/25, em face do Município de Araruna, a fim de apurar indícios de irregularidades na contratação de empresas para o transporte de alunos dos cursos técnicos ou superiores com verbas da educação básica. 

O processo foi motivado por denúncia recebida pelo canal de comunicação faleconosco@mpc.pr.gov.br, por meio da qual noticiou-se que o Município de Araruna estaria utilizando a verba repassada pelo “Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) Salário-Educação” para o pagamento de transporte escolar de alunos que cursavam ensino superior na cidade de Campo Mourão, em diversas instituições de ensino público ou privado. 

Denúncia e apuração dos fatos 

Após recebimento da denúncia, o Núcleo de Análise Técnica (NAT) do MPC-PR instaurou o Procedimento de Apuração Preliminar – PAP nº 38/2024. De início, o NAT identificou empenhos relativos à “contratação de empresas de transporte de passageiros – alunos residentes no Município de Araruna, cursando cursos técnicos ou superior no Município de Campo Mourão”, nos quais constam a fonte do recurso “1107 – Salário Educação”. 

Diante dos elementos probatórios, os autos foram encaminhados à 6ª Procuradoria de Contas (6PC) para apreciação. Ao consultar os dados no Portal da Transparência do ente municipal, a 6PC verificou que cinco empresas foram contratadas no ano de 2022 para a realização do transporte desses alunos, por intermédio dos Processos de Inexigibilidade nº 45/2022, nº 46/2022, nº 47/2022, nº 48/2022 e nº 49/2022. Contudo, não foi possível localizar os documentos relativos a tais processos licitatórios.  

Toda via, anexo à denúncia constava o Processo de Inexigibilidade nº 48/20223, o qual indicou a existência da seguinte classificação programática para cobrir as despesas relacionadas ao certame: “OUTROS SERVIÇOS DE TERCEIROS – PESSOA JURÍDICA”. Em consonância aos contratos nº 76/2022, nº 77/2022, nº 78/2022, nº 79/2022 e nº 80/2022, as despesas seriam pagas com o recurso da mesma dotação orçamentária. 

Ocorre que, conforme apurado, os empenhos emitidos para os referenciados contratos foram pagos com as seguintes fontes de recurso: “1107 – SALARIOEDUCACAO”, “31115 – CONVENIO TRANSPORTE ESCOLAR FEDERAL”, “1104 – 25% SOBRE IMP.VINC”, “31124 – PROGRAMA TRANSPORTE ESCOLAR ESTADUAL”, “1103 – 10% SOBRE TRANSF.CON”, e “1000 – RECURSOS DO TESOURO”. 

Representação 

Diante dos fatos que demonstram a aplicação irregular dos recursos financeiros da educação básica, o MPC-PR observou que a legislação e a jurisprudência não proíbem que o ente municipal atue na educação superior. Porém, a sua atuação deve ser excepcional e condicionada à plena garantia da educação básica, conforme previso no § 2º, do art. 211 da Constituição Federal de 1988 e art. 11, inciso V, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei nº 9.394/1996). 

Nesse sentido, destacou também as seguintes decisões do TCE-PR:  

  • Resolução nº 2833/03 (Consulta nº 178865/02) – pela possibilidade de ser prestada a assistência aos munícipes universitários, desde que sejam atendidas as necessidades da educação infantil e do ensino fundamental.  
  • Acórdão nº 180/11 (Consulta nº 47730/10) – pela possibilidade da prestação de serviço de transporte de alunos do ensino médio e universitário, bem como de professores e servidores públicos com a frota do ensino básico e a instituição de programa para auxílio financeiro a estudante carente.  
  • Acórdão nº 11/07 (Consulta nº 230731/01) – pela possibilidade do transporte de alunos do 2° e 3° graus, em veículos da frota municipal a municípios vizinhos, para que esses possam frequentar o ensino médio e/ou superior, no período noturno. Para tanto, expôs que as exigências do art. 11, inciso V, da Lei nº 9.394/19 e o art. 212 da Constituição Federal deverão ser atendidas. 

 Por outro lado, em relação ao Salário-Educação, a 6PC observou que o mesmo é caracterizado por ser uma contribuição social recolhida pelas empresas que, como fonte adicional, objetiva o financiamento da educação básica pública. Logo, os recursos do Salário-Educação se destinam exclusivamente ao financiamento de programas, projetos e ações voltados para a educação básica, composta pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. 

Não obstante, no caso do Município de Araruna houve a aplicação de recursos provenientes do FUNDEB, os quais, da mesma forma, não poderiam ser aplicados para o pagamento da prestação do serviço de transporte de estudantes de cursos técnicos ou superiores. Nos termos da Lei nº 14.133/2020, o FUNDEB se destina ao financiamento de ações de manutenção e desenvolvimento de ensino para a educação básica, observando-se os respectivos âmbitos de atuação prioritária entre os Estados e Municípios. 

À vista disso, a 6PC considerou irregular a contratação de empresas para o transporte de alunos residentes no Município de Araruna, estritamente, de cursos técnicos ou superiores no Município de Campo Mourão com a aplicação de recursos provenientes do Salário-Educação, bem como do FUNDEB. 

Quanto a utilização de veículos destinados ao transporte de universitários, observou que o TCE-PR possui entendimento que, desde que estejam satisfeitas as necessidades da educação infantil e do ensino fundamental, é possível a atuação em outras áreas, como no ensino superior, por meio do transporte de estudantes (Consulta nº 347446/13).  

Para tanto, o TCE-PR dispôs que a Administração Municipal pode fazer aporte financeiro à Associação de Estudantes Universitários a título de colaboração, desde que não sejam utilizados recursos provenientes do FUNDEB, que os valores despendidos não componham o índice mínimo de 25% de aplicação em educação, nos termos do art. 212 da CF/88 e sejam observadas as disposições do art. 62 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O referenciado artigo da LRF estabelece que os Municípios só contribuirão para o custeio de despesas de competência de outros entes da Federação se houver autorização na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual. 

No mesmo sentido, mediante decisão proferida nos autos da Consulta nº 380316/17, o Plenário do Tribunal de Contas entendeu que o Município pode realizar o transporte universitário com veículos destinados ao transporte escolar, desde que estejam atendidas plenamente as necessidades do ensino fundamental e da educação infantil e não haja o comprometimento do percentual mínimo previsto no art. 212 da Constituição Federal, nos termos do art. 11, V, da Lei 9.394/1996. Também estabeleceu que o Município pode prestar o serviço de transporte gratuitamente, bem como pode instituir um preço público, conforme as disponibilidades financeiras, e que a quantia a ser cobrada poderá ser instituída mediante ato infralegal, como um Decreto, por exemplo. 

Diante do exposto e frente ao uso de recursos da educação básica para contratação de empresas para o transporte de alunos dos cursos técnicos ou superiores, a 6PC concluiu que tal conduta configura a hipótese de possível irregularidade grave, com indícios de dano ao erário e responsabilidade de agentes públicos envolvidos. 

Dessa forma, solicitou o recebimento da Representação para apuração dos fatos, com a citação do Município de Araruna e de seu Prefeito, Gustavo França dos Santos, bem como de Leandro Cesar de Oliveira, gestor à época dos fatos, para o exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa.  

Ao final, pugnou que seja julgada procedente a Representação, com os seguintes pedidos: 

  • Aplicar a multa prevista no art. 87, inciso IV, alínea “g” da Lei Complementar nº 113/2005 ao Sr. Leandro Cesar de Oliveira, gestor municipal à época, em razão do pagamento de transporte de alunos de cursos técnicos ou superior com recursos da educação básica;  
  • Expedir recomendação ao Município de Araruna para que garanta que o transporte escolar atenda plenamente à demanda da educação básica, como condição para eventual extensão do serviço público, terceirizado ou não, aos estudantes universitários, assegurando que os recursos utilizados não sejam oriundos do FUNDEB, nem computados no índice mínimo de 25% de aplicação em educação. 
  • E a abertura de Tomada de Contas Extraordinária, a fim de apurar os possíveis danos ao erário, bem como eventuais responsabilidades ressarcitórias dos responsáveis pelos fatos relatados. 

Recebimento e defesa 

Mediante o Despacho nº 490/25, o Relator do Processo, Conselheiro Augustinho Zucchi, recebeu a Representação e determinou a intimação dos interessados para manifestação.  

Em atenção, o Município de Araruna apresentou defesa, alegando, em síntese, que a Lei nº 9.394/1996 e a Constituição Federal preveem que o ente municipal pode custear o ensino superior, quando, cumulativamente, forem cumpridas a) o atendimento pleno das necessidades da educação infantil (creches e pré-escolas) e do ensino fundamental (1ª à 5ª séries); assim como b) a possibilidade de utilização dos recursos excedentes do percentual mínimo de 25%. 

Sendo assim, informou que o requisito “a” foi cumprido, conforme índices da educação apurados na gestão 2021/2024, e que o requisito “b” também restou atendido, pois a fonte de receita “1107 – Salário Educação” não integra a parcela de 25% da educação. 

Ao final, requereu a improcedência da representação, pois o fornecimento de transporte universitário estaria de acordo com o art. 11, inciso V, da Lei nº 9.394/1996. 

Andamento do processo 

Decorrido o prazo para manifestação, os autos serão encaminhados para instrução da unidade técnica e novamente ao Ministério Público de Contas para emissão de Parecer. 

 

Informação para consulta processual

Processo nº: 256220/25
Despacho nº: 490/25
Assunto: Representação do MPC-PR
Entidade: Município de Araruna
Relator: Conselheiro Augustinho Zucchi