MPC-PR defende que Tribunal de Contas não pode rever contas já apreciadas pelo Poder Legislativo

As contas do Chefe do Poder Executivo julgadas pelo Poder Legislativo podem ser revistas pelo Tribunal de Contas?

O Ministério Público de Contas do Estado do Paraná tem sustentado a impossibilidade de o Tribunal de Contas rever Parecer Prévio emitido em contas de governo de Chefe do Poder Executivo quando o órgão legislativo local já tiver proferido julgamento. Nesse tipo de processo, o Tribunal de Contas possui competência apenas para emitir opinativo técnico, denominado de Parecer Prévio, que é encaminhado para a Câmara de Vereadores (no caso de Prefeitos) ou Assembleia Legislativa (no caso do Governador). Cabe aos parlamentares o julgamento das contas do Prefeito ou Governador, mediante o acolhimento ou rejeição do Parecer Prévio do Tribunal de Contas.

Com frequência, no entanto, os governantes que tiveram suas contas julgadas irregulares pelo respectivo Poder Legislativo ingressam com processo no Tribunal de Contas solicitando a revisão do Parecer Prévio emitido pela Corte. O expediente é utilizado principalmente na tentativa de evitar a inelegibilidade prevista no art. 1º, I, “g”, da Lei Complementar nº 64/1990.

De acordo com o entendimento defendido pelo Ministério Público de Contas, a medida é incabível. Isso porque, uma vez emitido o Parecer Prévio, encerra-se por completo a atribuição do Tribunal de Contas, cabendo apenas ao Poder Legislativo analisar e julgar as contas do Prefeito ou Governador. Assim, não cabe ao Tribunal de Contas rever posteriormente seu Parecer Prévio – o que poderia ensejar discussões sobre a própria validade da decisão do órgão legislativo, já que seu substrato (Parecer Prévio) foi modificado.

Vislumbra-se que a posição defendida pelo Ministério Público de Contas está alinhada com precedentes das Cortes Superiores – STJ e TSE. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Agravo em Recurso Especial nº 87.262-PR (julgado em 02/12/2011), manteve a decisão do TJ/PR, que possui a seguinte ementa:

APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSO CIVIL. CONDIÇÕES DA AÇÃO. INTERESSE PROCESSUAL. PLEITO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE PARECER PELA DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS DE EXECUTIVO MUNICIPAL EMITIDO PELO TRIBUNAL DE CONTAS. DECISÃO DA CÂMARA DE VEREADORES.

1. O autor não tem interesse processual em propor ação em face do Estado do Paraná para atacar o mérito da decisão do Tribunal de Contas consubstanciada na Resolução nº 6286/2005, já que não foi por meio dela que as suas contas foram rejeitadas, mas sim pela decisão da Câmara de Vereadores do Município de Verê – Decreto Legislativo nº 001/2005.

2. Na verdade, eventual equívoco na decisão do Tribunal de Contas que recomenda rejeição das contas do executivo municipal deve ser examinada em ação a ser proposta contra o ato da Câmara de Vereadores, que, acolhendo a recomendação do Tribunal de Contas, venha a rejeitar as contas do executivo municipal. E assim é porque é por esse ato, e não por meio do parecer do Tribunal de Contas, que as contas do executivo municipal são rejeitadas.

3. Por outro lado, com a decisão da câmara de vereadores, que rejeitou as contas do executivo municipal, o autor deixou de ter qualquer interesse processual no pedido de nulidade do parecer do Tribunal de Contas, vez que, mesmo na hipótese de ser anulado ou reformado o parecer do Tribunal de Contas, o ato de reprovação das suas contas permanecerá hígido, pois o ato da câmara não é atacado na presente ação.

 Já o Tribunal Superior Eleitoral, ao julgar o Recurso Especial Eleitoral nº 31.942, concluiu que:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. CONTAS DE CONVÊNIO REJEITADAS PELO TCE. DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO. AJUIZAMENTO DE RECURSO DE REVISÃO OU DE RESCISÃO. CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO PELO TCE. PERSISTÊNCIA DA CLÁUSULA DE INELEGIBILIDADE DA ALÍNEA “G” DO INCISO I DO ART. 1° DA LC 64/90, QUE SÓ É DE SER SUSPENSA POR DECISÃO JUDICIAL. PROVIMENTO CAUTELAR CONTRA LEGEM. EXCEPCIONALIDADE DO CASO. PEDIDO DE REGISTRO INDEFERIDO.

1. A cláusula de inelegibilidade constante da alínea “g” do inciso I do art. 1° da LC 64/90 demanda, para sua incidência, a cumulativa presença de três requisitos, dois positivos e um negativo, a saber: a) rejeição por vício insanável, de contas alusivas ao exercício de cargos ou funções públicos; b) natureza irrecorrível da decisão proferida pelo órgão competente; c) inexistência de provimento suspensivo, emanado do Poder Judiciário (Poder Judiciário, que foi o único a ser mencionado na ressalva constante da parte final do referido dispositivo).

2. Isto revela que, havendo decisão de rejeição de contas que seja irrecorrível e que aponte vícios de natureza insanável, somente o Poder Judiciário pode suspender a incidência da cláusula de inelegibilidade, nos exatos termos da parte final da alínea “g” do inciso I do art. 1° da LC 64/90, combinadamente com o § 5° do art. 11 da Lei nº 9.504/97.

3. A existência de recurso de revisão (ou recurso de rescisão) não desfaz a natureza irrecorrível do julgado administrativo impugnado. Eventual utilização de recurso de rescisão apenas reforça o trânsito em julgado da decisão que rejeitou as contas, pois recursos que tais somente podem ser manejados contra atos irrecorríveis.  Por isso que tal manejo não tem jamais o efeito de automaticamente afastar a natureza irrecorrível do ato impugnado.

4. Tratando-se de revisão jurisprudencial levada a efeito no curso do processo eleitoral, o novo entendimento da Corte deve ser aplicável unicamente aos processos derivados do próximo pleito eleitoral.

5. Excepcionalidade do caso concreto, a impor o indeferimento do pedido de registro: medida cautelar que foi deferida no âmbito da Corte de Contas e em sede de ação autônoma de impugnação contra expressa disposição legal e regimental. Pelo que se trata de ato patentemente contra legem, insuscetível de produção de efeitos no plano da suspensão da cláusula de inelegibilidade.

A questão foi suscitada pelo Ministério Público de Contas no Pedido de Rescisão nº 616785/14, em trâmite no do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. A Corte acolheu o pedido rescisório e modificou seu Parecer Prévio, que era inicialmente pela irregularidade, para a regularidade com ressalva das contas. Ocorre que a Câmara Municipal já havia julgado as contas do Prefeito, acolhendo o antigo Parecer Prévio, com a consequente declaração de irregularidade das contas. O Ministério Público de Contas, então, ingressou com Recurso de Revista, autuado sob o nº 527755/16, em que questiona aquela decisão do Tribunal.