
A 1ª Procuradoria de Contas do Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR) apresentou a Representação nº 677446/25 em face do Município de Marmeleiro, a fim apurar indícios de irregularidades no Processo Seletivo Simplificado (PSS) de Edital nº 164/2025, que previu a contratação por tempo determinado para o preenchimento de diversos cargos.
O processo foi motivado por denúncia encaminhada ao canal institucional faleconosco@mpc.pr.gov.br, por meio da qual o denunciante relatava que o PSS promovido pelo Município previa a contratação de Procurador, em contrariedade aos entendimentos fixados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR).
Apuração dos fatos
Após recebida a denúncia, o Núcleo de Análise Técnica (NAT) realizou um levantamento em relação ao cargo de Procurador Jurídico do Município de Marmeleiro. Da análise, verificou que a servidora efetiva ocupante do cargo foi exonerada, por força da Portaria nº 7323/2024, ocasionando a edição da Lei Municipal nº 3012/2025, que extinguiu o cargo de Procurador Jurídico de 20 horas semanais e substituiu por um novo cargo de 40 horas semanais.
Por sua vez, em relação ao PSS nº 164/2025, o NAT identificou que, para além da contratação temporária de Procurador Jurídico, o edital previa também a admissão para os cargos de Assistente Social, Auxiliar de Serviços Gerais, Contador, Enfermeiro, Engenheiro Civil, Inspetor Sanitário Industrial, Médico Veterinário, Motorista, Operador de Máquinas, Pedreiro, Professor, Psicólogo, Servente Geral e Servente de Merendeira.
Ocorre que, a adoção de processo seletivo simplificado para o preenchimento de funções de caráter permanente e estrutural na Administração Pública contraria os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e eficiência, conforme estabelecido pelo art. 37, caput, da Constituição Federal, além de violar a exigência de realização de concurso público (art. 37, II, da CF).
Nesse sentido, pontuou o Núcleo de Análise Técnica que o cargo de Procurador Jurídico, por envolver atividades de defesa judicial e de consultoria jurídica do Município, constitui função típica de Estado e, portanto, deve ser provido por meio de concurso público, conforme determina o art. 132 da Constituição Federal.
De igual forma, também entende ser irregular a contratação via PSS dos demais cargos previstos no edital, em especial os cargos de Contador, Engenheiro Civil e Professor, cujas funções apresentam caráter permanente e essenciais à estrutura administrativa municipal, não se enquadrando nas hipóteses excepcionais que justificam contratações temporárias, previstas no art. 37, IX, da Constituição Federal.
Sobre isso, destaca-se que não foi verificada no edital nenhuma informação que demonstrasse a existência de situação emergencial ou transitória que justificasse a adoção do processo seletivo simplificado.
Dessa forma, concluiu o NAT que a ausência dessa motivação concreta evidencia o desvirtuamento do instrumento excepcional do PSS, transformando-o, indevidamente, em meio rotineiro de ingresso no serviço público, em afronta direta à regra constitucional do concurso.
Representação
Ao promover a análise dos fatos juntados pelo NAT, a 1ª Procuradoria de Contas concluiu que havia elementos probatórios suficientes na denúncia para fundamentar a propositura de Representação junto ao TCE-PR. A medida visa não apenas resguardar a observância de preceitos constitucionais, mas também coibir a repetição de práticas irregulares e assegurar a correta gestão dos recursos humanos e orçamentários do Município de Marmeleiro.
Sendo assim, em acréscimo as informações coletadas, a Procuradoria do MPC-PR realizou um levantamento de dados no Sistema Integrado de Atos de Pessoal (SIAP) e Portal da Transparência Municipal, a fim de verificar a relação entre os cargos existentes e ocupados no Município de Marmeleiro. A coleta de informações revelou que para diversos cargos contemplados pelo PSS há número significativo de vagas disponíveis para provimento efetivo, demonstrando falhas no planejamento municipal no que diz respeito as contratações via Concurso Público.
Já em relação ao cargo de Procurador Jurídico, por se tratar de uma função típica do Estado (art. 132, CF/88), a 1PC destacou que tanto a jurisprudência do TCE-PR quanto o Ministério Público de Contas possuem posicionamento consolidado no sentido de que não se admite a contratação temporária ou terceirizada para o exercício de cargos jurídicos de natureza permanente, sob pena de burla à exigência constitucional de concurso público.
É o que prevê o Prejulgado nº 6 do TCE-PR que, no tocante às funções jurídicas e de contabilidade, dispõe expressamente que tais atividades, incluindo a representação judicial do ente público, devem ser exercidas exclusivamente por servidor efetivo. No mesmo sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF), em sede de julgamento da ADI 6331, consolidando o entendimento de que, uma vez criada a Procuradoria Jurídica Municipal, a realização de concurso público é a única forma constitucionalmente aceita para o preenchimento dos cargos.
Tal entendimento se aplica também aos cargos de Contador e Engenheiro Civil, que são essenciais ao suporte técnico e estratégico da Administração, bem como o cargo de Professor, que integra o núcleo essencial das políticas públicas de educação, possuindo natureza duradoura e estável, incompatível com a contratação precária.
Todavia, no decorrer da apuração dos fatos, a 1ª Procuradoria de Contas verificou que o ente municipal deu início às medidas voltadas à realização de concurso público para provimento de cargos efetivos, conforme o Contrato de Prestação de Serviços nº 138/2025, firmado em agosto de 2025 entre o Município de Marmeleiro e a Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da Universidade Estadual de Londrina (FAUEL).
Ocorre que, em que pese os esforços do Município para a realização do certame, este encontra-se em fase inicial e não há notícia da publicação do respectivo edital ou da efetiva deflagração do processo seletivo. Ademais, a medida não é capaz de afastar a irregularidade das contratações temporárias já efetivadas, tampouco a responsabilidade dos gestores pela adoção tardia das medidas necessárias ao provimento regular dos cargos
Dessa forma, diante dos fatos apresentados que revelam ausência de planejamento administrativo e a indevida utilização do processo seletivo simplificado para o provimento de cargos de natureza permanente e estrutural, a Procuradoria do MPC-PR requereu o recebimento da Representação para que, no mérito, seja julgada procedente, com a aplicação de multa ao gestor pelas irregularidades praticadas; expedição de determinações para que o ente dê continuidade ao Concurso Público e se abstenha de prorrogar as contratações oriundas do Processo Seletivo Simplificado de Edital nº 164/2025; e recomendação para que o Município, em futuros certames, atente-se ao disposto no artigo 37, inciso II da Constituição Federal, que dispõe sobre a regra para o provimento de funções típicas e inerentes ao funcionamento da Administração Pública.
Andamento processual
Mediante o Despacho nº 1571/25, o Relator Conselheiro Fernando Augusto Mello Guimarães recebeu a Representação, ao concluir que os elementos apresentados pelo Ministério Público de Contas demonstram que há indícios robustos de irregularidade.
Quanto ao cargo de Procurador Jurídico, o Relator ainda destacou que a prova documental e os dados extraídos do Portal da Transparência do Município (atualizados em 23/10/2025) revelaram a existência de dois cargos efetivos, estando um ocupado e outro vago assinalado como “em extinção”. Uma vez que não é possível, por ora, afirmar se tal indicação refere-se apenas à vaga específica ou à carreira como um todo, aliado à previsão de vaga temporária para a mesma função no PSS, entende que a situação constitui indício relevante de conduta administrativa incompatível com o regime constitucional de provimento efetivo.
Além disso, pontuou que tal fato evidencia não apenas a ausência de justificativa emergencial para adoção do processo seletivo simplificado, mas também um expediente voltado a reduzir o quadro efetivo e a afastar a exigência de concurso público para função típica de Estado, prevista no art. 132 da Constituição Federal.
Sendo assim, ao receber a Representação, o Relator determinou a inclusão do Município de Marmeleiro e de seu representante legal, Prefeito Jander Luiz Loss, no rol de interessados, ordenando a citação de ambos para que, no prazo de 15 dias, apresentem defesa e documentos que especifiquem e comprovem a motivação emergencial para cada cargo contemplado no Edital nº 164/2025 e, por fim, que esclareçam expressamente se a indicação “em extinção” constante do Portal da Transparência refere-se apenas à vaga específica ou à carreira de Procurador Jurídico como um todo.
No momento os autos aguardam novas manifestações das partes para prosseguimento da análise e posterior julgamento.
Informação para consulta processual
Processo nº: 677446/25 Despacho nº: 1725/25 Assunto: Representação Interessado: Ministério Público de Contas do Paraná Relator: Conselheiro Fernando Augusto Mello Guimarães
