
A 6ª Procuradoria do Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR) apresentou a Representação nº 595091/25 em face do Município de Faxinal, a fim de apurar indícios de possível desproporcionalidade entre servidores efetivos e comissionados no Poder Executivo Municipal, principalmente após a aprovação da Lei nº 2.406/2025, que alterou o quadro de cargos comissionados.
O processo foi motivado por denúncia anônima encaminhada ao canal faleconosco@mpc.pr.gov.br, por meio da qual relatava-se que houve um expressivo aumento dos cargos comissionados do ente, em suposta afronta ao Prejulgado nº 25 do Tribunal de Contas do Paraná (TCE-PR), que exige a observância aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e eficiência na criação de tais cargos.
Apuração dos fatos
Após recebimento da denúncia, o Núcleo de Análise Técnica (NAT) do MPC-PR observou que a Lei Municipal nº 2.406/2025 previu a criação de cargos comissionados para todas as secretarias, incluindo casos de concentração excessiva, como é o caso da Secretaria de Saúde, para qual há a previsão de 27 cargos comissionados.
Ademais, um levantamento feito junto ao Portal de Informações do TCE-PR, na modalidade “Sistema Integrado de Atos de Pessoal” dos últimos 12 meses, revelou um número expressivo de comissionados. Todavia, devido a algumas falhas identificadas na descrição dos cargos e ao limite de lapso temporal, o NAT optou por encaminhar o Ofício nº 28/2025 ao Município, solicitando informações sobre o quadro de cargos.
Em resposta, o Município de Faxinal afirmou que o art. 22 da Lei nº 2.406/2025 prevê a alíquota de 5% das vagas comissionadas a servidores de carreira e que possui 543 servidores ativos, sendo 322 de provimento efetivo, 9 efetivos em cargos de comissão e 138 de provimento em comissão. Ao final, informou que não houve o preenchimento de todas as vagas previstas na referida lei, faltando 10 a serem ocupadas.
Em nova análise das informações apresentadas, o NAT concluiu pela existência de irregularidades referentes à desproporcionalidade na quantidade de servidores efetivos e comissionados no Poder Executivo de Faxinal, de modo que encaminhou o procedimento à 6ª Procuradoria de Contas para apreciação e tomada de providências.
Representação
Ao receber os fatos para apreciação, a 6ªPC ponderou sobre a legislação aplicável ao tema, destacando que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu artigo 37, inciso II, que a investidura em cargo ou emprego público dependerá de aprovação prévia em concurso público, ressalvando as nomeações para cargos em comissão devidamente previstos em lei e declarados de livre nomeação e exoneração. Por sua vez, no seu inciso V, a CF prevê que os cargos em comissão deverão ser necessariamente destinados às atribuições de direção, chefia e assessoramento, reservando um porcentual aos servidores de carreira.
Já o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.041.210 com repercussão geral reconhecida, fixou o Tema 10103 apontando a imprescindibilidade do atendimento aos critérios objetivos da necessidade e proporcionalidade.
Além desses, o Procurador também destacou o entendimento fixado pelo próprio TCE-PR, por meio do Prejulgado nº 25, que estabelece que a criação de cargos de provimento em comissão e funções de confiança demandam a edição de Lei em sentido formal, a qual deverá necessariamente observar os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e eficiência, prevendo, inclusive, o quantitativo de vagas, o qual deverá guardar correlação com a estrutura administrativa do órgão/entidade, bem como as condições e percentuais mínimos para ocupação de servidores de carreira e cargos em comissão.
Quanto ao percentual mínimo de cargos comissionados a serem destinados aos efetivos, a 6ªPC observou que nem o texto constitucional, tampouco a jurisprudência, fixaram um quantitativo, uma vez que cabe a cada ente federativo, diante de sua necessidade específica e dos critérios previstos pela CF, determinar a quantidade em lei, consoante entendimento do STF no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 44 do Distrito Federal (DF).
Contudo, embora não exista uma percentagem definida, a jurisprudência deste Tribunal de Contas do Paraná esclarece que os princípios constitucionais devem ser sempre observados pela Administração Pública, obrigando-a a estabelecer uma quantia proporcional e razoável. Nesse sentido, quando do julgamento do Acórdão nº 314/2022, a Corte determinou que o Município de Assis Chateaubriand elevasse a reserva legal de apenas 5% dos cargos comissionados aos efetivos, pois a quantia afrontava a razoabilidade, proporcionalidade e moralidade.
Ocorre que, conforme informado pelo Município de Faxinal, a Lei nº 2.406/2025 reserva, justamente, apenas 5% dos cargos comissionados para serem ocupados por servidores de carreira, de modo que a 6ª PC entende que tal reserva se mostra desproporcional e desarrazoável, indo de encontro com a jurisprudência mencionada e aos princípios constitucionais.
Outrossim, o MPC-PR identificou situações em que Coordenadorias não possuem servidores efetivos e outras em que o número de comissionados supera amplamente o de efetivos, como por exemplo na Secretaria de Ação Social, que há 14 comissionados para 3 efetivos.
Para a 6ªPC, tal cenário afronta dispositivos constitucionais e jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal e do TCE-PR, que determinam que cargos em comissão sejam exceção e destinados apenas a funções de direção, chefia e assessoramento.
Sendo assim, concluiu pela apresentação da Representação junto ao TCE-PR para que sejam apuradas as irregularidades na desproporcionalidade entre servidores efetivos e comissionados no Poder Executivo de Faxinal. Adicionalmente, sendo julgada procedente, sugeriu a expedição de determinações para que o ente municipal regularize seu quadro de pessoal, em respeito ao disposto no Prejulgado nº 25 do TCE-PR, e reestabeleça um percentual mínimo dos cargos em comissão que devem ser preenchidos por servidores de carreira.
Andamento do Processo
Mediante o Despacho nº 1418/25, o Relator designado, Conselheiro Fernando Augusto Mello Guimarães, recebeu a Representação, ao considerar que os elementos apresentados pelo Ministério Público de Contas merecem uma apuração mais aprofundada.
Dessa forma, ele determinou a citação do Município e do atual Prefeito, Hermes Antonio Santa Rosa, para que, no prazo de 15 dias, apresentassem esclarecimentos quanto ao quadro de cargos do ente.
Em atenção a solicitação, a municipalidade apresentou defesa, alegando que denúncia semelhante havia sido arquivada pelo Ministério Público Estadual (MP-PR), de modo que requereu, a título de economia processual, o arquivamento da Representação. Por fim, juntou documentos relativos à notícia de fato que tramitou junto ao MP-PR, mas não apresentou outras teses de defesa.
Na sequência, os autos foram encaminhados à Coordenadoria de Apoio e Instrução Suplementar (CAIS), a qual, conforme Instrução nº 649/25, considerou que os fatos revelam um quadro de desvirtuamento das funções comissionadas, visto que diversas secretarias apresentam número excessivo de cargos comissionados sem correspondência com a estrutura funcional, além de cargos com atribuições nitidamente operacionais, em afronta ao Prejulgado nº 25 e Tema 1010 do STF.
A CAIS apontou ainda que, conforme verificado no SIAP e na Lei nº 2.406/2025, as atribuições dos cargos são genéricas ou correspondem a tarefas típicas de execução, como atendimento telefônico, alimentação de sistemas, arquivamento e até coleta de lixo, em desconformidade com a exigência constitucional de que cargos em comissão se destinem exclusivamente a funções de direção, chefia e assessoramento. Avaliou que a técnica legislativa utilizada apenas inseriu verbos como “assessorar” ou “coordenar” antes de atividades operacionais, numa tentativa de conferir aparência de função estratégica.
Diante de tais fatos, a CAIS concluiu seu opinativo pela procedência da Representação e expedição de determinações corretivas ao Município. Contudo, ressalvou que não recomenda qualquer responsabilização pessoal do atual gestor, pois trata-se de uma irregularidade estrutural acumulada ao longo do tempo, mas alerta para os riscos de descontinuidade administrativa e fragilidade institucional decorrentes do modelo vigente.
Instada a se manifestar novamente, a 6ªPC reforçou que a situação observada no Município revela um flagrante violação a Constituição Federal e a jurisprudência do STF e TCE-PR, pois a Lei Municipal nº 2.406/2025 não apenas fixou percentual mínimo irrisório (5%) para reserva de cargos a servidores efetivos, assim como criou cargos comissionados para funções incompatíveis com a natureza excepcional do provimento em comissão.
Nesse cenário, a desproporção entre efetivos e comissionados, aliada à ausência de correlação entre cargos de chefia e equipes subordinadas, evidencia afronta aos princípios da moralidade, eficiência e impessoalidade, além de comprometer a profissionalização da gestão pública e a continuidade administrativa. Portanto, o MPC-PR defende que a manutenção do quadro atual implica riscos concretos, como: fragilidade institucional; descontinuidade de políticas públicas a cada transição de governo; rotatividade e ocupação de funções por pessoas sem vínculo efetivo. Tais exemplos contrariam a lógica de estabilidade e profissionalização da Administração.
Por essas razões, a 6ªPC reiterou os pedidos formulados na peça inicial, frisando que a correção dessas distorções é imperativa para assegurar o interesse público e a observância dos princípios constitucionais que regem a Administração.
No momento os autos aguardam manifestação do Relator para conclusão e posterior julgamento pelos membros do Tribunal Pleno.
Informação para consulta processual
Processo nº: 595091/25 Despacho nº: 1418/25 Assunto: Representação Entidade: Município de Faxinal Relator: Conselheiro Fernando Augusto Mello Guimarães
