Prefeito e Controlador Interno de Boa Vista da Aparecida são multados em razão de desvio de finalidade de bem público

Lago formado pela Usina Hidrelétrica José Richa, conhecido como Marinas de Boa Vista. Foto: Câmara Municipal de Boa Vista da Aparecida.

O Pleno do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR) decidiu pela procedência parcial da Representação proposta pelo Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR), em face do Município de Boa Vista da Aparecida. O processo foi motivado por irregularidades quanto ao uso indevido dos veículos da frota municipal, que configurou desvio de finalidade do bem público e improbidade administrativa.  

Na decisão, também foi determinada a aplicação de multa ao Prefeito Leonir Antunes dos Santos e ao Controlador Interno do Município, pela afronta direta ao artigo 37 da Constituição Federal e aos artigos 9º, caput, XII, artigo 10, caput, II, e artigo 11, caput, todos da Lei 8.429/1992.  

Representação  

Na época, abril de 2021, o MPC-PR tomou conhecimento dos fatos por meio de matéria jornalística que noticiava que o então Prefeito Leonir Antunes dos Santos havia sido abordado pela Polícia Rodoviária Federal após realizar uma ultrapassagem proibida, oportunidade em que se descobriu que o mesmo carregava consigo (no porta-malas do veículo oficial) animais em situação de maus tratos. A partir de então, os indícios de irregularidade apontavam para a ocorrência de desvio de finalidade, tendo em vista que o veículo oficial do Município estava sendo utilizado para interesses particulares. Nesta toada, foram identificadas 71 infrações de trânsito referentes ao veículo VW Jetta BBT-9639, 22 das quais foram cometidas durante o período da madrugada por excesso de velocidade, ultrapassagens proibidas, manuseio de celular durante a condução, avanço de sinal vermelho e evasão de pedágio. 

Diante de tais irregularidades, o órgão ministerial requereu a procedência da Representação e concessão de medida cautelar para que se determinasse o impedimento do uso de carros oficiais pelo Prefeito Municipal Leonir Antunes dos Santos. 

Contraditório 

A Representação foi recebida por intermédio do Despacho nº 463/21, de Relatoria do Conselheiro Artagão de Mattos Leão, o qual indeferiu a medida cautelar, pois, embora irrefutável a configuração de lesão aos cofres municipais, somente com a análise do mérito seria possível determinar a culpabilidade e responsabilização direta pelas infrações. Assim, determinou a citação do Município de Boa Vista da Aparecida, por meio de seu representante legal, o Prefeito Leonir Antunes dos Santos, bem como do Controlador Interno do Município e do Secretário da Administração à época. 

Em sede de contraditório, Leonir Antunes dos Santos informou que o veículo em questão não era usado unicamente por ele e que os servidores que cometeram as infrações de trânsito foram responsabilizados. Em acréscimo, forneceu o nome de 5 servidores públicos que utilizaram o veículo, afirmando que cada um pagou a multa que lhe competia. Alegou também que não houve dano ao erário, uma vez que todas as multas foram pagas e ressarcidas em sua integralidade, por meio de processo administrativo.  

No mesmo sentido, o Controlador Interno afirmou que não houve dano aos cofres públicos, pois o Prefeito teria reembolsado o Município pelo pagamento das multas. Quanto a sua atuação como controlador, para fins de conhecimento e resolução do caso, informou que a mesma restou prejudicada por conta da rápida atuação do Ministério Público de Contas. 

Instrução técnica 

Instada a se manifestar, a Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) opinou pela parcial procedência da Representação, propondo a aplicação da multa prevista no artigo 87, IV, “g”, da Lei Complementar n° 113/2005.  

Em síntese, fundamentou que outro fato que evidenciou as ilegalidades praticadas, principalmente pela falta de interesse público do ato, foi o uso constante do veículo oficial durante o período da madrugada. Nesse sentido, destacou que durante a madrugada não há repartições públicas em funcionamento, não sendo possível haver reuniões ou atos que buscassem atender o interesse do Município, motivo pelo qual o uso do veículo não é necessário. Dessa forma, considerou que não merecia prosperar a alegação de defesa de que haveria outros funcionários e agentes públicos fazendo uso do carro em questão, pois quem responde pelos fatos ocorridos pelo veículo é o Prefeito, independente de quem fosse o condutor. A análise da questão de improbidade levou em consideração momentos antes do próprio dano ao erário ser concretizado, isto é, a improbidade surgiu no próprio uso do veículo em proveito próprio. Logo, pela prática reiterada de multas, bem como das demais práticas ilegais, entendeu ser necessária a imputação da multa do artigo 87, IV, “g”, da Lei Complementar nº 113 ao Prefeito do Município de Boa Vista da Aparecida. 

Com relação à devolução dos valores, ante aos documentos anexos pelos Representados, entendeu não ser necessária, vez que já houve a restituição à Prefeitura Municipal, cabendo, portanto, somente determinação de multa. 

Julgamento 

Conforme decisão contida no Acórdão nº 90/24, os membros do Pleno do TCE-PR votaram, em unanimidade, pela procedência parcial da Representação e aplicação de multa ao Prefeito e Controlador Interno. Em sua fundamentação, o Relator Conselheiro Maurício Requião de Mello e Silva destacou que as condutas identificadas nos autos refletem atos de improbidade administrativa, tendo sido violado os princípios da administração pública (artigo 37 da Constituição Federal), em especial, os princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade, na forma do artigo 11, caput, da Lei 8.429/1992. 

De igual modo, pontuou que o Prefeito reiteradamente omitiu-se na prestação de informações indispensáveis acerca do uso do veículo, visto que deliberadamente deixou de registrar sua utilização em boletins diários (diário de bordo), de modo a dificultar a identificação do condutor do veículo, acabando o Município por arcar com o pagamento de inúmeras multas por falta de apresentação do condutor, resultando em dano ao erário. Também restou demonstrada a utilização de recursos públicos para quitação das multas, caracterizando-se o pagamento irregular. Ainda, embora noticiada a existência de processos administrativos e o ressarcimento de algumas multas, não se desincumbiu a administração municipal de apresentar a conclusão dos processos administrativos e o ressarcimento dos valores. 

Fase Recursal 

O MPC-PR apresentou Embargos de Declaração contra a decisão do Tribunal Pleno, a fim de que sejam supridas duas omissões: uma em relação a aplicação da multa administrativa do art. 87, IV, ‘g’ da LOTC aumentada em seu décuplo e, sobre a determinação de restituição de valores pelos responsáveis com a correspondente fixação de multas proporcionais aos danos. 

Não obstante, o Prefeito Leonir Antunes dos Santos também apresentou Embargos de Declaração no intuito de que a decisão seja corrigida quanto à aplicabilidade do artigo 11 caput, uma vez que para as condutas serem enquadradas como improbidade elas precisam, necessariamente, estar relacionadas com alguns dos incisos, conforme Tema de Repercussão Geral nº 1.119 do Supremo Tribunal Federal (STF). 

No momento os autos aguardam novo julgamento.  

Informação para consulta processual

Processo nº: 227756/21
Acórdão nº: Acórdão n° 90/24 – Tribunal Pleno
Assunto: Representação
Entidade: Município de Boa Vista da Aparecida
Relator: Conselheiro Maurício Requião de Mello e Silva