Formação complementar de servidor deve ter correlação com atribuições do cargo para concessão de progressão funcional por qualificação

Igreja Matriz Santuário Nossa Senhora Aparecida, localizada no Município de Arapongas, na região Norte Central do Paraná. Foto: divulgação.

Acolhendo a proposta do Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR), a Primeira Câmara do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR) determinou a expedição de recomendação à Câmara Municipal de Arapongas, a fim de que promova, nos futuros processos de concessão de progressão funcional por qualificação, a análise minuciosa da pertinência temática dos cursos apresentados, em estrita observância ao disposto no art. 66, II, “2”, da Resolução nº 320/2022, bem como aos princípios contidos no artigo 37 da Constituição Federal. A medida visa mitigar o risco de interpretações ampliativas que possam desvirtuar o objetivo da norma e comprometer a boa gestão dos recursos públicos. 

A decisão ocorreu em sede de análise de Tomada de Contas Extraordinária, instaurada por meio do Despacho nº 404/25 e convertida a partir de Denúncia apresentada em face do Poder Legislativo de Arapongas, por meio da qual alegava-se supostas irregularidades na concessão de progressão funcional à servidora da procuradoria municipal. 

Entenda o caso 

Na peça inicial, o denunciante alegou, em síntese, que teria sido concedida progressão funcional por qualificação à servidora da procuradoria municipal, após conclusão de pós-graduação no curso de “Neurociência, Psicologia Positiva e Mindfulness”. Aduziu que a área do curso seria distinta da formação da servidora e sem qualquer relação com os cargos existentes no quadro da Câmara Municipal, em suposta ofensa ao artigo 66, II da Resolução n.º 320/2022. 

O processo foi autuado inicialmente como Denúncia. Contudo, foram identificadas inconsistências quanto à legitimidade do denunciante, considerando a necessidade de apurar os fatos narrados e eventuais danos ao erário, de modo que os autos foram convertidos em Tomada de Contas Extraordinária para o seu regular processamento. 

Oportunizada a apresentação de contraditório, a Câmara Municipal de Arapongas defendeu a legalidade do ato de progressão funcional em análise, ao afirmar que a servidora ocupa o cargo de Procuradora Jurídica e, à época do requerimento de progressão funcional, exercia a função de Presidente da Comissão de Avaliação de Desempenho.  

Quanto aos critérios para concessão da progressão, apontou que o Plano de Cargos e Carreiras do ente prevê a possibilidade de progressão mediante qualificação profissional, em três níveis, especificamente, desde que a pós-graduação seja em área com alguma correlação com os cargos existentes no quadro de pessoal da entidade, conforme consta do artigo 66, II, “b” da Resolução n.º 320/2022. Nesse sentido, a Câmara relacionou a pertinência da temática tratada na pós-graduação concluída pela servidora com as funções desempenhadas, que exigem “competências ligadas à liderança estratégica, compreensão de comportamento organizacional, motivação de servidores, desenvolvimento de políticas voltadas ao bem-estar, definição de critérios de desempenho e mediação de conflitos internos – todos temas centrais da especialização lato sensu concluída”.  

Por fim, a Câmara concluiu que não há elementos suficientes que demonstrem a má-fé ou precariedade do ato, e que negar a correlação entre a formação apresentada e o desempenho funcional sob o argumento de que a área não é “jurídica”, seria ignorar a complexidade das atribuições públicas modernas e desvalorizar o servidor que, de forma voluntária e comprometida, busca se aperfeiçoar. 

Instrução do processo 

Instada a se manifestar, a Coordenadoria de Apoio e Instrução Suplementar (CAIS), opinou pela procedência da Tomada de Contas Extraordinária, com a irregularidade das contas, ao considerar que embora a Câmara tenha defendido a natureza transversal dos conhecimentos adquiridos, não se evidenciou de forma inequívoca a vinculação do conteúdo programático do curso com o núcleo técnico jurídico que caracteriza o cargo de Procuradora Jurídica. 

Dessa forma, a unidade técnica propôs a determinação de restituição dos valores a serem apurados em sede de execução, devidamente atualizada e solidária, entre o Presidente da Câmara, Márcio Antônio Nickenig e a servidora ocupante do cargo de Procuradora Jurídica, bem como aplicação de multas administrativas e proporcionais aos danos. Ao final, a CAIS sugeriu a expedição de recomendação à Câmara Municipal para que revogue o ato que concedeu a progressão por qualificação à servidora e promova nos futuros a análise minuciosa da pertinência temática dos cursos apresentados para concessão das progressões funcionais. 

Parecer Ministerial 

Por sua vez, mediante o Parecer nº 649/25, o Ministério Público de Contas observou que a interpretação da progressão funcional fundamentada no art. 66 da Resolução nº 320/2022 exige uma análise objetiva da pertinência temática da formação complementar em relação às atribuições funcionais do servidor. 

Sendo assim, ao analisar a Resolução nº 320/20222, o MPC-PR verificou que as competências atinentes à Procuradoria Jurídica da Câmara Municipal de Arapongas são essencialmente jurídicas, voltadas à interpretação normativa, assessoramento legislativo, contencioso, consultoria e controle da legalidade dos atos do ente. Nesse sentido, o curso de especialização em “Neurociência, Psicologia Positiva e Mindfulness”, embora contenha conteúdos modernos e potencialmente úteis no contexto da Administração Pública, não possui qualquer correlação técnica, temática ou funcional com as atribuições do cargo de Procurador Jurídico.  

Para o MPC-PR, o argumento apresentado pela defesa, de que a servidora participou da Comissão de Avaliação de Desempenho ou teve funções administrativas laterais, não altera o fato de que a progressão funcional só pode decorrer de formação compatível com o cargo efetivo da Câmara Municipal, nesse caso, com a função de Procuradora Jurídica.  

Diante do exposto, o Ministério Público de Contas concordou integralmente com o opinativo da CAIS pela procedência da presente Tomada de Contas Extraordinária, com a aplicação de sanções, da determinação para revogação do ato e expedição de recomendação para que o ente promova nos futuros processos de concessão de progressão funcional por qualificação a análise minuciosa da pertinência temática dos cursos apresentados, em estrita observância ao disposto no art. 66, II, “2”, da Resolução nº 320/2022, bem como aos princípios esculpidos no art. 37 da Constituição Federal, de modo a mitigar o risco de interpretações ampliativas que possam desvirtuar o objetivo da norma e comprometer a boa gestão dos recursos públicos. 

Decisão 

Em sede de julgamento, mediante o Acórdão nº 2784/25, o Relator Conselheiro Jose Durval Mattos do Amaral, pontuou que, via de regra, é exigida relação direta entre a área de conhecimento do curso e as atribuições do cargo ocupado. Contudo, em situações específicas, existe a possibilidade de cursos de natureza transversal, desde que haja correlação e demonstração de contribuição efetiva ao exercício das funções. 

No caso em análise, o Relator entendeu que embora não seja de conteúdo estritamente jurídico, a formação em “Neurociência, Psicologia Positiva e Mindfulness” apresenta pertinência indireta ao cargo analisado, uma vez que a capacitação aborda competências ligadas ao desenvolvimento humano, resolução de conflitos, promoção do bem-estar, fortalecimento da motivação e gestão de relacionamentos. Nesse sentido, destacou que a atuação jurídica no âmbito do Legislativo envolve diálogo constante com agentes políticos, servidores, órgãos de controle e a própria comunidade, de modo que o desenvolvimento de habilidades relacionadas à gestão de conflitos e aprimoramento de relações interpessoais pode repercutir positivamente na qualidade e eficiência do serviço prestado. 

Somada a essa questão, o Relator ressaltou que, no exercício de 2024, além do cargo oficial de Procuradora Jurídica da Câmara, a servidora foi nomeada como Presidente da Comissão Permanente de Avaliação e Desempenho Funcional, a qual objetiva a “avaliação de desempenho funcional de todos e quaisquer servidores do Quadro de Provimento Efetivo da Câmara Municipal de Arapongas, que estejam, ou não em estágio probatório”. Ou seja, nesse caso, admitir uma interpretação abrangente da norma, não implicaria abrir margem para progressões em áreas alheias ao interesse público, mas apenas reconhecer que determinadas formações, mesmo não jurídicas, possuem potencial de aprimoramento funcional.  

Assim, concluiu o Relator que a progressão funcional concedida encontra amparo legal e principiológico, razão pela qual votou pela procedência parcial da presente Tomada de Contas Extraordinária, a fim de julgar regular com ressalva as contas.  

Por outro lado, o Relator também verificou a necessidade de aprimoramento da norma por parte da Câmara Municipal de Arapongas, uma vez que o conceito de “alguma correlação” é deveras simplificado e dificulta sua intepretação. Dessa forma, acompanhou a manifestação do MPC-PR quanto à proposta de recomendação para que o ente legislativo promova nos futuros processos de concessão de progressão funcional por qualificação a análise minuciosa da pertinência temática dos cursos apresentados.  

Os membros do Primeira Câmara do TCE-PR acompanharam, por unanimidade, o voto do Relator. Após o trânsito em julgado da decisão, os autos serão encaminhados à Coordenadoria de Medidas Executórias (CMEX) e posteriormente à Diretoria do Protocolo para encerramento dos autos. 

Informação para consulta processual

Processo nº: 838071/24
Acórdão nº: 2784/25
Assunto: Tomada de Contas Extraordinária
Entidade: Câmara Municipal de Arapongas
Relator: Conselheiro Jose Durval Mattos do Amaral