O Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), por força do Despacho nº 1771/25 do Conselheiro Maurício Requião de Mello e Silva, concedeu a medida cautelar requerida pelo Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR) em face do Município de Sarandi, determinando que o ente adote, imediatamente, as ações necessárias para apresentação do plano emergencial para recomposição da rede de ensino infantil, e inclusão de dotação específica no projeto de Lei Orçamentária Anual de 2026 para a manutenção das vagas de educação infantil.
Além disso, o TCE-PR também determinou a realização de inspeção in loco, a ser conduzida pela Coordenadoria de Acompanhamento de Atos de Gestão (CAGE), para verificar de forma direta e detalhada a real situação do Município de Sarandi quanto ao atendimento da educação infantil.
Entenda o caso
O MPC-PR recentemente tomou conhecimento de graves irregularidades e inconsistências na gestão da educação infantil no Município de Sarandi. Tais questões vieram à luz por meio de denúncias anônimas, da consulta a diversos processos judiciais em trâmite na Vara da Fazenda Pública de Sarandi, e de processos internos no TCE-PR que versam sobre a temática. As informações reunidas revelaram um cenário problemático no âmbito da educação municipal, especialmente no que diz respeito à gestão das vagas em creches e pré-escolas, o que resultou no protocolo de uma Representação em face do Município de Sarandi perante o Tribunal de Contas.
Em análise realizada pelo Núcleo de Análise Técnica do MPC-PR, constatou-se que em setembro de 2017 já havia sido ajuizada uma Ação Civil Pública pelo Ministério Público Estadual (MP-PR), autos nº 008742-08.2017.8.16.0160, a qual visava a obrigatoriedade do Município em regularizar o déficit de vagas em creches e pré-escolas para crianças de 0 a 5 anos, à época estimado em mais 2.400 vagas. Diante da recusa do Município em firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), a referida ação resultou em sentença que o condenou a assegurar a oferta de vagas, sob pena de multa diária.
Posteriormente, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR), em sede recursal, manteve a condenação do Município, reafirmando que a educação infantil é um direito público subjetivo e rejeitando todos os recursos apresentados. O desdobramento da questão culminou na instauração do processo de Cumprimento de Sentença nº 0011392-57.2019.8.16.0160, no qual o Ministério Público do Estado do Paraná tem atuado para garantir a efetivação da condenação imposta ao Município.
A administração municipal adotou providências progressivas para expandir sua rede de educação infantil. Documentos revelam que, desde 2023, estavam em andamento diversos projetos para a construção de um CMEI (modelo Proinfância Tipo 1), com capacidade para 188 crianças, e a ampliação do CMEI Livânia Marcia Lerin Kirste, com previsão de atender mais 75 crianças em 2025, de modo que as projeções para o ano letivo de 2025 eram promissoras, demonstrando um avanço consistente na garantia do direito à educação infantil.
No entanto, a partir da nova gestão municipal, sob comando do Prefeito Carlos Alberto de Paula Júnior, e de forma abrupta e unilateral, foram enviadas notificações extrajudiciais às unidades de ensino privadas, informando-as da rescisão imediata dos contratos, isto é, a administração municipal procedeu com o encerramento da parceria sem qualquer respaldo judicial ou administrativo prévio.
Representação
As reclamações recebidas pelo MPC-PR indicam que muitas crianças ficaram sem vaga para o ano letivo de 2025, enquanto outras foram ou estão sendo realocadas para unidades superlotadas e sem as condições pedagógicas e de infraestrutura adequadas.
Por este motivo, na petição inicial apresentada pelo MPC-PR, o órgão ministerial fez requerimentos no intuito de que o Município adote medidas imediatas para o atendimento escolar e regularização orçamentária. No âmbito do TCE-PR, requereu as devidas responsabilizações e abertura de Tomada de Contas Extraordinária para inspeções in loco no Município.
Os pedidos se resumem da seguinte maneira:
- Restabelecimento dos Contratos Anteriores: determinar que o Município de Sarandi restabeleça imediatamente os contratos de inexigibilidade e/ou credenciamento que foram interrompidos, ou adote uma providência emergencial equivalente em até 15 dias úteis, garantindo o atendimento escolar integral das crianças.
- Apresentação de Plano Emergencial: apresentação de um plano emergencial e cronograma detalhado em até 30 dias, com metas e recursos, para a recomposição da rede de ensino infantil e matrícula das crianças desassistidas.
- Abstenção de Rescisões Abruptas: determinar que o Município se abstenha de rescindir contratos futuros de aquisição de vagas sem a prévia elaboração de um plano de transição que assegure a absorção integral das crianças.
- Dotação Orçamentária para 2026: Determinar que o Município assegure, no projeto da Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2026, dotação orçamentária específica e suficiente para a manutenção das vagas em educação infantil, em patamar não inferior ao valor empenhado e executado nos 12 meses anteriores.
- Inspeção in loco: realização de inspeção in loco para verificar a plena capacidade operacional da Associação de Proteção à Maternidade e à Infância (APMI) e das entidades de ensino que tiveram contratos em 2022 e 2024.
- Instauração de Tomada de Contas Extraordinária para fiscalização local.
- Aplicação de Sanções, (inclusive multas), se for apurada irregularidade ou omissão dolosa/culposa dos agentes públicos.
- Ação de Regresso: determinar à Procuradoria-Geral do Município que promova ação de regresso contra os agentes públicos em caso de condenação judicial do Município por demandas decorrentes das rescisões contratuais.
- Declaração de Inidoneidade da APMI: Em caso de comprovação de favorecimento, declarar a inidoneidade da APMI e impor proibição de contratação e de exercício de cargo comissionado aos envolvidos.
Juízo de Admissibilidade
Após protocolo da Representação pelo MPC-PR, os autos foram encaminhados ao Relator para juízo de admissibilidade. Conforme Despacho nº 1707/25, o Relator verificou estarem presentes os requisitos para recebimento da Representação.
No mérito, destacou que as alegações trazidas são graves e revelam um cenário de possível violação ao direito fundamental das crianças, bem como irregularidades em procedimentos administrativos de credenciamento. Em relação aos documentos apresentados pelo MPC-PR, concluiu que são suficientes para demonstrar, em exame inicial, a plausibilidade jurídica e risco de dano social irreversível, especialmente diante da magnitude do número de crianças atualmente excluídas da rede de ensino infantil.
No entanto, o Conselheiro Maurício Requião de Mello e Silva entendeu por necessária a manifestação preliminar do Município, em respeito ao devido processo legal e ampla defesa, para que apresentasse informações claras, objetivas e documentadas, a fim de verificar a consistência das informações apresentadas e subsidiar a análise do pedido cautelar.
Devidamente intimado, o Município de Sarandi apresentou os argumentos de defesa, informando que a fila de espera é de 1.860 crianças aguardando vaga; que existem 16 Centros Municipais de Educação Infantil e Escolas Municipais em funcionamento; que o Chamamento Público nº 04/2025 foi anulado; que a alteração estatutária e a capacidade operacional devem ser respondidas pela própria APMI; e que a conexão institucional entre o Chefe de Gabinete, Sr. Fabio Bernardo, e a APMI, não mais subsiste, pois este se afastou da presidência da entidade em 17/01/2025, data a partir da qual não praticou nenhum ato perante a instituição.
Concessão da cautelar
Em nova manifestação do MPC-PR, ao analisar a defesa apresentada pelo Prefeito, apontou contradições, imprecisões e informações inverídicas, contestando pontualmente os argumentos trazidos pelo Município.
Nesse sentido, conforme Despacho nº 1771/25, o Relator acolheu as manifestações do MPC-PR, afirmando que “a rescisão unilateral e abrupta de contratos que asseguravam mais de duas mil vagas em creches e pré-escolas, sem a prévia elaboração de plano de transição ou a oferta de alternativa concreta de atendimento, configura violação direta a esse direito fundamental, além de afrontar o princípio da continuidade do serviço público, insculpido no artigo 37, caput, da Constituição.”
Afirmou, ainda, que a situação de exclusão escolar acarreta prejuízos irreparáveis ao seu desenvolvimento cognitivo, social e emocional, bem como impactos significativos à vida das famílias, muitas das quais dependem do serviço público educacional para conciliar suas atividades profissionais. Nesse contexto, a medida cautelar se impõe como instrumento necessário para fazer cessar a lesão em curso e garantir a efetividade do controle externo.
Logo, o Relator entendeu pertinente a determinação de adoção de providências emergenciais pelo Município, no prazo de 15 dias úteis, que assegurem a matrícula e o atendimento integral das crianças até 5 anos de idade atualmente desassistidas, como medida proporcional e adequada à recomposição do atendimento educacional. Também acolheu os requerimentos do MPC-PR referentes à determinação de realização de inspeção in loco e de ajustes no projeto de Lei Orçamentária Anual de 2026.
Dos requerimentos feitos pelo MPC-PR, deixou de acolher, apenas, para posterior deliberação, a possibilidade de instauração de Tomada de Contas Extraordinária para apuração dos fatos envolvendo a alteração do estatuto da APMI em assembleia presidida pelo chefe de gabinete do prefeito.
Os autos foram encaminhados para a Diretoria de Protocolo para citação da Prefeitura de Sarandi. Transcorrido o prazo para apresentação de defesa, os autos serão encaminhados novamente à Coordenadoria de Apoio e Instrução Suplementar (CAIS) e ao MPC-PR para manifestações conclusivas.
Informação para consulta processual
Processo nº: 596004/25 Despacho nº: 1771/25 Assunto: Representação Entidade: Município de Sarandi Relator: Conselheiro Maurício Requião de Mello e Silva