
Recentemente o Pleno do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) analisou o processo de Representação instaurado em face do Município de Itaperuçu, em decorrência da existência de supostas cláusulas restritivas no edital do Pregão Eletrônico nº 17/2025, especificamente quanto ao item 15.6, alínea “f”, o qual solicitava a apresentação de licença ambiental como requisito de qualificação técnico-operacional na fase de habilitação da licitação.
Segundo os argumentos da representante, a emissão da licença para o transporte e armazenamento de resíduos verdes depende de um local físico previamente definido e regularizado, o que limita a participação de empresas plenamente capacitadas a executar o objeto licitado, mas que ainda não possuem, por razões econômicas ou operacionais, um espaço físico previamente licenciado. Ao final, requereu a concessão de medida cautelar para modificação do Edital, para que a exigência constante do item 15.6, alínea “f” seja suprimida da fase de habilitação, passando a ser exigida somente no ato da assinatura do contrato.
Admissibilidade e Contraditório
O Relator designado ao processo, Conselheiro Fernando Augusto Mello Guimarães, recebeu a representação após verificar o cumprimento dos requisitos de admissibilidade (Despacho nº 385/25). Sobre a cautelar requerida pela representante, destacou o perigo de dano reverso diante da rescisão dos contratos em andamento, tendo em vista a importância da continuidade dos serviços urbanos contratados por meio do respectivo Pregão, o que poderia afetar a coletividade, em especial à saúde pública.
No mais, o Relator determinou a intimação do Prefeito Municipal, Edilson Ruiz de Freitas, e a indicação do servidor responsável pela elaboração do Edital, para exercício do direito ao contraditório e a ampla defesa.
Em resposta, o Município de Itaperuçu informou que o serviço de varrição, roçada, limpeza de vias e valas, coleta e poda de galhos na cidade encontra-se suspenso até a homologação do pregão eletrônico e posterior assinatura do contrato. Mencionou, também, que não houve a inversão de fases do processo licitatório, cabendo somente ao vencedor ter sua documentação analisada.
Em complemento, o Município argumentou que entendeu por bem exigir a licença ambiental na qualificação técnica, visto que tal documento é de suma importância para a prestação de serviço em questão, e que não se poderia aguardar a formalização do contrato para exigir tal documentação diante da morosidade dos procedimentos para obtenção do alvará de licença.
Instrução e Parecer Ministerial
Instada a se manifestar, a Coordenadoria de Apoio e de Instrução Suplementar (CAIS), após analisar as manifestações da Representante e do Representado, verificou que a exigência contida no Edital não restringe a competitividade do certame, conforme fundamentado na Instrução nº 233/25. Trata-se de contratação de empresa especializada, de modo que a licença ambiental para transporte e armazenamento de resíduos verdes é característica peculiar para demonstrar a aptidão ao desempenho de um empreendimento desse porte.
No caso em tela, a CAIS afirmou que a exigência de licença ambiental discutida nesta Representação verifica se o contratado possui a capacidade técnica necessária para se responsabilizar e realizar o objeto do contrato. Em destaque à jurisprudência do Acórdão nº 2688/17-STP, menciona-se uma parte do voto do Conselheiro Ivens Zschoerper Linhares ao tratar de Cláusulas editalícias que exigiam a apresentação de estrutura/instalações e a respectiva licença sanitária em município específico para a prestação dos serviços de fornecimento de refeições: “…entende-se que as exigências estabelecidas estavam diretamente vinculadas à necessidade de se garantir a adequada prestação do serviço…”.
Nesse sentido, a Coordenadoria entendeu que a necessidade da licença ambiental para transportar resíduos não perigosos e transportar e armazenar resíduos verdes compõe a capacidade técnica-operacional de executar o objeto licitado. Diante do exposto, sugeriu a improcedência da presente Representação e arquivamento do feito, em razão de não estar configurada nos autos a ocorrência de cláusula restritiva à competitividade no Pregão eletrônico nº 17/2025.
Na sequência, os autos foram encaminhados ao Ministério Público de Contas, o qual se manifestou conforme Parecer nº 612/25 da 2ª Procuradoria de Contas. Em sua fundamentação, afirmou que a licença ambiental para transporte e armazenamento de resíduo verdes é característica necessária para demonstrar a aptidão ao desempenho de tal serviço pelas empresas licitantes, sendo aplicável ao caso o artigo 37, inciso XXI da Constituição Federal que permite que se exija a qualificação técnica quando esta for imprescindível para garantir o cumprimento das obrigações.
Dessa forma, não se configura a restrição alegada da cláusula 15.6, alínea “f” do Edital, uma vez que é relevante a comprovação de capacidade técnica para o cumprimento do objeto do certame. Diante do exposto, a 2ª Procuradoria de Contas, com subsídio na análise da unidade técnica, opinou pela improcedência da Representação da Lei de Licitações.
Decisão
Os membros do Pleno do TCE-PR, conforme Acórdão nº 2686/25, acompanharam o voto do Relator Conselheiro Fernando Augusto Mello Guimarães pela procedência parcial da Representação. No voto, o Conselheiro explicou que a discussão dos autos estava centrada em dois aspectos: a exigência e a temporalidade da apresentação da licença ambiental. Nesse aspecto, informou que já existe um consenso jurisprudencial e doutrinário quanto à regularidade da exigência de licenciamento ambiental quando houver a necessidade de observância à legislação ambiental específica e desde que indispensável à garantia do cumprimento das obrigações.
Sobre isso, em recente julgamento pelo TCE-PR, através do Acórdão nº 1531/25 – STP, o Plenário reforçou o dever do poder público de exigir licenciamento ambiental das empresas contratadas, no intuito de garantir que as atividades sejam realizadas de forma ambientalmente responsável, ao licitar serviços de limpeza urbana que apresentem potencial risco de poluição.
Em relação ao correto momento para apresentação da licença ambiental, o Município escolheu exigir na licitação a apresentação das propostas de preço conjuntamente aos documentos de habilitação. Entretanto, trata-se de uma prática que não é defendida e nem prevista na Lei de Licitações nº 14.133/2021. Esta prevê, em seu art. 63, inciso II, como regra geral, a exigência da apresentação dos documentos de habilitação apenas ao licitante vencedor, e não a todos os licitantes, exceto quando a fase de habilitação anteceder a de julgamento.
Ainda, há jurisprudência predominante no Tribunal de Contas da União (TCU) em que prevê irregularidade na exigência de licença ambiental a todos os licitantes e não apenas ao licitante vencedor (Acórdão nº 2118/2024 – Plenário).
Desta forma, o Relator concluiu que a conduta procedimental correta a ser adotada pelo Município deveria ser: a exigência da declaração prevista no art. 63, inciso I, da Lei nº 14.133/2021 a todos os licitantes no momento da apresentação das propostas de preço, caso compreendesse necessário, e a exigência dos documentos de habilitação, inclusive a licença ambiental, apenas ao licitante vencedor na fase de habilitação, após o resultado da fase de julgamento.
Em face do exposto, votou pelo conhecimento e parcial procedência da Representação, sendo noticiado o Município a respeito da irregularidade legal da cláusula 10 e seus itens e a reprovabilidade do seu caráter restritivo e prejudicial à competitividade do Pregão Eletrônico nº 17/2025. Além disto, determinou a emissão de Recomendação ao Município de Itaperuçu para que atente à ordenança legal do art. 63, incisos I e II da Lei nº 14.133/2021 nas futuras licitações, de modo que exija a declaração prevista no respectivo artigo a todos os licitantes no momento da apresentação das propostas de preço; e, exija os documentos de habilitação, inclusive as licenças ambientais, apenas ao licitante vencedor na fase de habilitação.
Não houve apresentação de recurso pelas partes, sendo certificada a certidão de trânsito em julgado nº 1171/25 em 3 de novembro de 2025.
Informação para consulta processual
Processo nº: 176471/25 Acórdão nº: 2686/25 Assunto: Representação da Lei de Licitações Interessado: Município de Itaperuçu Relator: Conselheiro Fernando Augusto Mello Guimarães
